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Arquivo : ajuste fiscal

O ímpeto do governo Temer em inviabilizar o direito à educação
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Daniel Cara

O alvo agora é o Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), mecanismo criado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação para que todas as escolas públicas, em todos os Estados e Municípios brasileiros, sejam dignas e capazes de dar condições para as professoras e os professores ensinarem e as estudantes e os estudantes aprenderem. O problema para Temer, sua equipe e seus aliados é que o CAQi custa quase R$ 50 bilhões (cinquenta bilhões de reais) a mais, por ano, que devem ser investidos em educação básica pública. Porém, para o Palácio do Planalto, os direitos do povo brasileiro não cabem no orçamento público federal – que em 2018 é de cerca de R$ 3,5 trilhões, segundo a Lei Orçamentária Anual. Ou seja, dinheiro há – a efetivação do CAQi custa, aproximadamente, 0,15% do orçamento da União. O que não existe, portanto, é vontade política. Além disso, há também o compromisso de Temer de implantar um projeto econômico que inviabiliza o direito à educação pública, gratuita, laica e de qualidade, bem como também inviabilizará os demais direitos sociais garantidos pela Constituição Federal de 1988. A Carta Magna, que em 05 de outubro de 2018 completará 30 anos, está sendo desconstruída de vez.
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Desde 2016, quando Michel Temer ascendeu de forma ilegítima ao Palácio do Planalto, a vida no Brasil se tornou uma sucessão de golpes à democracia e aos direitos sociais. Entre todos os ataques, nenhuma área tem sido mais alvejada do que a educação. O motivo é simples, a educação é a maior política pública brasileira: em todo dia letivo, quase 40 milhões de estudantes vão às escolas públicas de educação básica em todo país e mais de 1 milhão de jovens estudam nas universidades administradas pelos governos. Além disso, quando chegam às suas escolas e faculdades, alunas e alunos são recebidos por, aproximadamente, 5 milhões de educadoras e educadores, que desempenham diferentes funções para a manutenção e desenvolvimento do ensino. No entanto, além do gigantismo –que demanda um custo, que jamais foi devidamente empenhado –, se a política educacional for bem-sucedida, ela tem a capacidade de impulsionar mudanças profundas nas estruturas sociais, políticas e econômicas do país. E é exatamente isso que o governo Temer quer evitar. Por isso, a educação é um alvo tão importante e prioritário.

As decisões do governo Temer são milimétricas e objetivas. A primeira medida apresentada por ele foi o “novo regime fiscal”. Promulgado na forma da Emenda à Constituição 95/2016. Esse regime determina que nenhum centavo novo do orçamento federal será investido em educação, saúde, assistência social, cultura, trabalho e renda e demais políticas sociais e econômicas. Com o debate público asfixiado no Brasil, como coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, tive a oportunidade de levar o tema à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA).

Quando tomou conhecimento do caso, em setembro de 2016, o ex-premiê britânico, Gordon Brown, ficou estarrecido com a medida, bem como outras lideranças internacionais. Em 6 de dezembro de 2016, o presidente da Comissão de Interamericana de Direitos Humanos da OEA, James Cavallaro, deixou claro que a EC 95/2016 desrespeita o princípio do “não retrocesso” em termos de Direitos Humanos, na época a matéria tramitava na forma da PEC 55, no Senado Federal. Dias depois, 9 em dezembro de 2016, relatores da ONU deixaram claro que o “novo regime fiscal” causará pobreza e impedirá o Brasil de cumprir com o Plano Nacional de Educação 2014-2024 (PNE). O mundo sabe que as coisas vão mal por aqui. E isso se tornou oficial nos duros questionamentos feitos ao país no marco da Revisão Periódica Universal de Direitos Humanos, realizada em Genebra, no primeiro semestre de 2017. A pressão é tão grande que o governo Temer chegou a impedir a visita de relatores da ONU sobre os impactos nocivos da Emenda Constitucional 95/2016.

Durante a tramitação do novo e inacreditável regime fiscal, o Governo Temer apresentou as anti-reformas do Ensino Médio e Trabalhista. E elas, infelizmente, foram aprovadas por um Congresso Nacional articulado por uma aliança perniciosa entre ultraconservadores e ultraliberais. Considerando a lógica da nossa Constituição Federal, as reformas devem servir para cumprir direitos e garantir a qualidade de vida da população; porém, as medidas temeristas vão exatamente no caminho inverso, tornando-se, portanto, anti-reformas. Tanto é assim que a Reforma do Ensino Médio vai formar precariamente jovens para um mercado de trabalho desregulamentado pela alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e pautado por um setor de serviços débil. A trajetória profissional da maioria da população será marcada, nesse contexto, pelo subemprego e pelo trabalho indecente – estimulados, como anteriormente dito, pela anti-reforma trabalhista. No entanto, os mais ricos, matriculados em escolas particulares caríssimas e de elite, terão uma formação objetivamente dedicada a se diferenciarem do restante da população, o que deve resultar em ainda maior concentração de renda. Ou seja, nunca o Brasil teve uma política educacional que amplia de modo tão claro as desigualdades socioeconômicas e civis.

Para poder impor seus desígnios, e enfraquecer a crítica, o governo Temer liquidou o Fórum Nacional de Educação (FNE) e a Conferência Nacional de Educação (Conae), mantendo no FNE apenas seus fiéis aliados. A medida é precisa: o FNE é órgão responsável por organizar as edições da Conae e avaliar o (des)cumprimento do PNE e das demais políticas educacionais. Se tudo fosse mantido como estava, tanto no âmbito do fórum, quanto da Conferência, haveria uma impactante denúncia dos prejuízos que esse governo e seus aliados impetraram e impetram às políticas educacionais. A intromissão no FNE foi tão grave que fez a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Público Federal (MPF) se manifestar contra.

Como se não bastasse, o governo Temer vetou o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb) e, posteriormente, chegou ao disparate de censurar um artigo científico que tratava de sua implementação. O Sinaeb é demandado pelo PNE 2014-2024, fruto de proposição da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e do Centro de Estudos Educação e Sociedade (Cedes). O objetivo com o veto e censura foi evitar uma avaliação educacional que supere os limites das avaliações padronizadas de larga escala, buscando as verdadeiras causas das deficiências e insuficiências das políticas educacionais. Ou seja, o governo Temer não quer avaliar de modo profundo a crise da educação – que vai sendo aprofundada por ele próprio e seus aliados.

Posteriormente, aprofundando uma aliança com fundações e institutos empresariais que estava em vigor desde o governo Dilma, o governo Temer apresentou e aprovou uma versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) medíocre para a educação infantil e para o ensino fundamental. É uma proposta curricular conteudista, que evita ou secundariza os debates sobre as desigualdades e as injustiças sociais e econômicas do país, bem como evita o combate às discriminações de gênero e orientação sexual. Com essa BNCC aprovada, os estudantes não terão estímulo ao pensamento crítico e sequer aprenderão os conteúdos, porque não vão ser alteradas as condições de trabalho nas escolas – condição necessária para a realização do processo de ensino-aprendizagem. Para piorar, ampliando os efeitos de uma decisão equivocada do Supremo Tribunal Federal, a BNCC praticamente obrigará o ensino religioso nas escolas públicas, ferindo o princípio já combalido do Estado Laico. Os dois maiores educadores brasileiros, Paulo Freire e Anísio Teixeira, certamente desaprovariam esse documento que busca, de maneira cristalina, servir como uma plataforma sólida de diretrizes para a privatização da educação básica pública.

No ímpeto de tirar a BNCC do papel, o governo Temer apresentou os editais Capes 6 e 7/2018, que tratam do novo Programa de Residência Pedagógica (PRP) e do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid), respectivamente. As propostas para os dois programas articulam-se à atual política de formação de professores do MEC, empenhada em submeter a formação inicial dos docentes à nova Base Curricular. Treze entidades se posicionaram contra os editais, entre elas estão: a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), a Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), o Fórum Nacional de Diretores de Faculdades, Centros de Educação ou Equivalentes das Universidades Públicas Brasileiras (FORUMDIR) e a Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Por último, no dia 15 de março de 2018, enquanto o país estava comovido pela dolorosa, covarde e inaceitável execução da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e de seu motorista, Anderson Gomes, no Centro do Rio de Janeiro, o governo Temer editou portaria que cria o Comitê Permanente de Avaliação de Custos da Educação Básica (CPACEB). No ato de criação desse órgão, o Ministério da Educação, liderado por Mendonça Filho, revogou a portaria MEC 142/2016.

A portaria MEC 142/2016 tinha como principal desafio analisar os caminhos para a implementação do Custo Aluno Qualidade-Inicial (CAQi) e contava com a presença da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, criadora do mecanismo, e da Confederação dos Trabalhadores em Educação (CNTE), que representa todos os profissionais da educação básica pública. Já a portaria MEC 233/2018, que institui a CPACEB pretende, antes de tudo, avaliar a viabilidade de implementação dos mecanismos de financiamento da educação, sem quaisquer determinações de prazo – como ocorria no texto anterior. Ou seja, fica evidente que o objetivo é criar argumentos para não implementar instrumentos que deem condições de trabalho às educadoras e aos educadores e de aprendizagem às estudantes e aos estudantes.

Por que isso ocorre? O motivo é simples. Como foi dito anteriormente, o CAQi é um mecanismo criado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação; ele traduz em valores o quanto o Brasil precisa investir por aluno ao ano, em cada etapa e modalidade da educação básica pública, para garantir, ao menos, um padrão mínimo de qualidade do ensino. Para isso, o CAQi determina um número adequado de alunos por turma, formação, salários e carreira compatíveis com a responsabilidade dos profissionais da educação, instalações, equipamentos e infraestrutura adequados, na forma de insumos como laboratórios de ciências, bibliotecas, quadras poliesportivas cobertas, materiais didáticos, Internet banda larga entre outros – e tudo está demandado pelas leis do país, em especial a Constituição Federal e o PNE 2014-2024, que determinou a implantação do CAQi até junho de 2016.

O CAQi, portanto, contempla as condições de trabalho e os insumos materiais e humanos mínimos necessários para que os professores consigam ensinar e para que os alunos possam aprender. Contudo, a dívida educacional brasileira é tão grande que para garantir a dignidade nas escolas públicas é preciso investir cerca de R$ 50 bilhões a mais, por ano, em educação básica pública. E é isso que o governo Temer quer evitar com a instituição da CPACEB. A razão é óbvia, para Temer e seus aliados, a educação do povo brasileiro não cabe no orçamento público, que deve permanecer orientado para a manutenção da riqueza das elites, em um país no qual os 5% mais ricos detêm mesma fatia de renda que outros 95%, segundo estudo recente da Oxfam.

Para realizar seu trabalho de desmonte das esperanças do povo brasileiro, o governo Temer não opera sozinho. Ele tem aliados. E é preciso identifica-los. Alguns dias atrás, Mendonça Filho promoveu no Palácio do Planalto uma cerimônia de entrega da “Ordem do Mérito Educativo”. A lista dos laureados com essa antiga condecoração serve como um mapeamento quase preciso de quem prestou serviços ao Ministério da Educação desse governo, distribuídos, inclusive, em ordem de importância. Faltam alguns aliados – provavelmente por decisão deles próprios, no sentido de não quererem se comprometer –, mas é possível perceber ali, em quase totalidade, quem é quem no apoio a esse governo.

Até 2016, a Historiografia brasileira era quase unânime em apontar Café Filho como o pior governante do Brasil, desde o Império. Temer o supera, com larga vantagem – nunca o país teve um presidente tão prejudicial para o aprofundamento das desigualdades nacionais. E nunca uma equipe ministerial fez tão mal à educação quanto àquela liderada por Mendonça Filho.

Antes de terminar, poderia descrever aqui outros prejuízos impetrados pela equipe do Ministério da Educação de Michel Temer, liderada por Mendonça Filho, como o apoio concreto – ainda que constrangido – de movimentos ultraconservadores e perniciosos à qualidade da educação como o “Escola sem Partido”. Porém, o que foi já dito é suficiente para mostrar que o MEC busca formatar e submeter a educação ao teto dos gastos públicos federais, impostos pela Emenda à Constituição 95/2016, conhecida também como “Emenda das Desigualdades”. Mais do que isso, Temer pretende subordinar a política de educação a uma economia medíocre, que dá as costas para a industrialização e o desenvolvimento econômico, optando por um dinamismo (im)produtivo torpe, liderado por um setor de serviços de baixíssima complexidade. Com isso, a população brasileira ficará submetida a postos de trabalho de remuneração baixa, permanecendo alijada de qualquer patamar de qualidade de vida.

As decisões do governo Temer se encaixam perfeitamente, submetidas a uma lógica e um objetivo evidente: desconstruir a Constituição Federal de 1988. Temer e seus aliados não se importam com o fato de que as relações sociais no país estão sendo movidas pelo ódio e pela falta de bom senso. Eles não ligam que a população brasileira está sem emprego e sem amparo das políticas sociais. A ideia sequer é fazer tudo permanecer como está, Temer e seus aliados consideram isso oneroso demais. A ideia deles é pior: em nome de uma política econômica pautada pelos desígnios do mercado financeiro, a redução do Estado deve ser drástica, tornando o Brasil um lugar ainda mais árido para se viver. Nesse sentido, a desconstrução da política de educação cumpre um papel importante: a educação é um direito que abre porta aos demais. A consciência crítica e potente que ela gera é perigosa, a emancipação dos debaixo, os 95%, coloca em risco o poder dos 5% mais ricos. Por isso, é preciso denunciar, resistir e buscar meios para revogar todas as medidas desse governo, caso contrário o Brasil se tornará inabitável pelos próximos 20 anos, ou mais.

O governo Temer é a expressão mais clara do descomedimento denunciado por Tzvetan Todorov no ensaio “Os inimigos íntimos da democracia”. Para enfrentá-lo é preciso de mais, melhor e verdadeira democracia.

E para não pairar dúvidas sobre as intenções de Temer e de seus aliados no tocante à educação, o único veto à Lei Orçamentária Anual de 2018 foi à estimativa de recurso extra de R$ 1,5 bilhão para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Ou seja, definitivamente, é um governo que não deseja investir em educação.


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