Blog do Daniel Cara

Governantes não ligam para o descumprimento do Plano Nacional de Educação

Daniel Cara

Previstos no Plano Nacional de Educação (PNE), hoje o país deveria comemorar a regulamentação do Sistema Nacional de Educação (SNE) e do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), mas não é o que vai acontecer. O PNE 2014-2024 está sendo ignorado pelos governantes. Cabe à sociedade cobrar sua implementação.

Amanhã o Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024) completa dois anos. Até hoje (24/6), 14 dispositivos deveriam ter sido cumpridos e implementados, entre eles a regulamentação do SNE e a implementação do CAQi. (Clique aqui e saiba mais)

O PNE é um plano decenal previsto na Constituição Federal e determina diretrizes, metas e estratégias para o Brasil consagrar o direito à educação de qualidade em seu território – da creche à pós-graduação. Sua execução deve envolver o esforço da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e a participação da sociedade. Não é, porém, o que está acontecendo.

Até o momento, dos 14 dispositivos agendados para 2015 e 2016, nenhum foi plenamente cumprido. Três motivos explicam esse fato: o primeiro foi o austericídio (batizado de “ajuste fiscal”) de Joaquim Levy, ministro da Fazenda de Dilma Rousseff em 2015. Ele sacrificou demasiadamente o PNE: R$ 11 bilhões de recursos da área foram cortados. Isso impediu a execução de programas federais dedicados à expansão e manutenção de creches, pré-escolas, escolas de ensino fundamental e de ensino médio, além da manutenção de matrículas em educação de jovens e adultos e educação em tempo integral.

Em segundo lugar, nenhum governante até o momento priorizou, verdadeiramente, o cumprimento do plano. O PNE se tornou uma agenda exclusivamente discursiva: políticos gostam de mencioná-lo, mas sequer se lançam ao desafio de planejar sua implementação.

Em terceiro lugar, diante das crises política e econômica que assolam o país, o PNE nem se aproxima do rol de prioridades dos governantes. É preciso lembrar, porém, que seu descumprimento tem consequências graves para a vida dos cidadãos.

Apenas alguns prejuízos do descumprimento do PNE

Ao não iniciar a implementação do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), mecanismo criado e desenvolvido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação desde 2002, o Brasil permanecerá sem qualquer instrumento que subsidie de forma prática a materialização de uma escola capaz de garantir a relação de ensino-aprendizagem.

O CAQi determina que toda escola pública deve ter número adequado de alunos por turma, profissionais da educação condignamente remunerados, com política de carreira e formação continuada. Além disso, as unidades escolares devem disponibilizar bibliotecas e salas de leitura, laboratórios de ciências, laboratórios de informática, internet banda larga, quadra poliesportiva coberta, transporte e alimentação escolar de qualidade.

A escola do CAQi é a mesma exigida pelos estudantes que ocupam, com razão, unidades escolares pelo Brasil afora.

A ausência do Sistema Nacional de Educação (SNE) faz com que os governantes federais, estaduais e municipais não tenham suas responsabilidades e papéis definidos. Permanece a tradição de cada um fazer sua própria política educacional, sem se articular com os demais.

As gestões das prefeituras, dos governos estaduais e distrital e do governo federal pensam e agem de modo diferente. Suas divergências, contudo, não podem continuar prejudicando o direito dos cidadãos à escola pública de qualidade. O Brasil precisa superar o jogo de empurrar obrigações educacionais, todos os entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) devem trabalhar juntos, com regras definidas e no mesmo rumo em prol da educação.

Agendas atrasadas

Desde 2010 há um parecer aprovado pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação. Ele normatiza o CAQi desenvolvido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. No entanto, até hoje, o documento não foi homologado pelos Ministros da Educação.

O projeto de lei do Sistema Nacional de Educação, por sua vez, sequer foi aprovado na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. E o relatório do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) foi apresentado em dezembro de 2015.

Em relação à educação há muito discurso, insuficiente recurso e pouquíssimo compromisso público. E a situação pode piorar: se a PEC 241/2016 for aprovada, impondo teto aos investimentos em políticas sociais, será impossível cumprir o PNE.

Até aqui a educação não é prioridade

Diante do descumprimento do PNE, os políticos e os governantes devem refletir, sinceramente, o quanto consideram a educação uma prioridade.

A sociedade diz que é. Entre 30 de maio e 03 de junho, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação organizou a Semana de Ação Mundial 2016 que, no Brasil, teve o cumprimento do PNE e o financiamento das políticas educacionais como tema. Em milhares de atividades que ocorreram em todo país, 210 mil pessoas avaliaram e exigiram o cumprimento do plano.

A SAM 2016 foi o maior processo de controle social sobre a implementação do PNE. Entre os dias 07 e 08 de junho foram realizadas audiências públicas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, respectivamente, para apresentar as conclusões da SAM e criticar o descaso dos governos com o plano.

Hoje (24/6), importantes entidades puxam um tuitaço e uma mobilização em redes sociais com o lema “#PelaEducação: 2 anos de PNE!”.

O PNE 2014-2024 foi aprovado por unanimidade por todos os partidos representados no Congresso Nacional. É preciso que cada um deles tenha compromisso com o que votou e decida se a educação do povo brasileiro é ou não prioridade.

Caso a resposta dos governantes seja não ou as atitudes práticas deles permaneçam sendo de descaso, é preciso que a sociedade brasileira os relembre da centralidade do PNE: consagrar o direito à educação de qualidade no Brasil.

A educação brasileira não pode permanecer como está.


Por que não basta gritar “Fora Temer”?

Daniel Cara

Além do impeachment, há um duro golpe contra a Constituição Federal, os direitos sociais e, especialmente, a educação.

Direito

O Brasil enfrenta um duplo golpe. E os dois são articulados, interdependentes e se retroalimentam.

O primeiro golpe começou antes mesmo das eleições de 2014, quando emergiu entre empresários, economistas e

políticos o falacioso discurso de que a Constituição Federal não cabe no orçamento público. Era um primeiro aviso de uma intenção real: reduzir o tamanho do Estado, o que significa inviabilizar a observância de direitos.

O objetivo desse primeiro golpe, contra o (tímido) projeto brasileiro de democracia social, é desconstruir o modelo de financiamento dos direitos sociais. A desculpa é a defesa de que apenas soluções ultraliberais podem equilibrar as contas públicas – o que a História econômica ensina que está distante de ser verdade.

O segundo golpe é contra a democracia institucional e se expressa de maneira mais evidente com o processo de impeachment.

O afastamento da presidente Dilma Rousseff só foi possível pela emergência de uma coalizão parlamentar amplamente majoritária, composta pela unção entre os políticos liberais com os parlamentares conservadores – identificados com o fundamentalismo cristão. O resultado é a formação de uma ampla maioria parlamentar de caráter ultraliberal em termos econômicos e ultraconservadora em termos morais e de direitos civis. Na educação, o ultraconservadorismo se expressa em torno de projetos obscurantistas, como o programa “Escola sem Partido”.

O ponto em comum dos dois golpes é o decisivo apoio do empresariado, simbolizado pelo pato (plagiado) da Fiesp. Em períodos de recessão, vale o ditado popular: “se a farinha é pouca, meu pirão primeiro”. E assim, na avaliação da parte mais significativa dos donos do capital, os ditames constitucionais são exagerados e a experiência lulista estava cara demais, por mais tímido que o lulismo tenha sido em termos de promoção do Estado de bem-estar social. Para os endinheirados, era preciso retomar o controle e a direção dos governos.

O primeiro ataque ao projeto brasileiro de democracia social, inscrito na Constituição de 1988, foi a nomeação de Joaquim Levy ao Ministério da Fazenda, logo após a eleição de Dilma Rousseff.

Em menos de um ano, Levy implementou um grave austericídio, com efeitos bastante evidentes, como a redução da atividade econômica, o aumento do desemprego e a baixa arrecadação. Como consequência, a desigualdade aumentou e a presidenta legitimamente eleita foi acusada – não sem razão – de estelionato eleitoral.

Com base em dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), a Folha de S. Paulo revelou que desde o início do segundo mandato de Dilma Rousseff (2015), a desigualdade entre os que compõem a força de trabalho (desempregados e ocupados) aumentou quase 3%. Segundo o pesquisador Rodolfo Hoffmann (USP), é muito para um indicador que varia pouco ao longo tempo. De 2015 até hoje, a taxa de desemprego subiu de 7,9% para 10,9% da população economicamente ativa.

Na educação, o austericídio (apelidado de ajuste fiscal) de Joaquim Levy, significou a desconstrução de programas essenciais como o Proinfância (Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil), o Pnaic (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa), o Mais Educação (dedicado à expansão e manutenção da educação em tempo integral), o Ciências Sem Fronteias, além de frear a expansão de matrículas públicas federais no ensino técnico profissionalizante de nível médio e no ensino superior.

Porém, o austericídio de Joaquim Levy foi insuficiente para o gosto dos mais ricos. Não havia, entre os donos do capital, a certeza de que o governo Dilma seria capaz de desconstruir, na medida do que consideravam necessário, o lulismo e a Constituição Federal de 1988. Para viabilizar a emergência do modelo econômico ultraliberal era preciso desenhar um programa sólido e ter o controle do sistema político.

O programa desenhado foi o “Uma ponte para o futuro”, do PMDB. E o controle do sistema político foi viabilizado por meio do juridicamente discutível processo de impeachment. Para a elite econômica, Michel Temer é o homem certo, no lugar certo, no momento certo: alguém sem muitas convicções ideológicas, sem qualquer compromisso eleitoral, com trânsito político e muita ambição.

Após o afastamento de Dilma Rousseff, já como presidente interino, Michel Temer nomeou Herinque Meirelles para liderar seu Ministério da Fazenda.

Meirelles foi presidente do Banco Central no governo Lula e, por sua respeitabilidade junto ao mercado, sempre foi alçado à condição de ministeriável de Dilma. Ela, contudo, rejeitava o ex-colega de Esplanada. Em sua correta avaliação, Meirelles é ainda mais liberal do que o Joaquim Levy. E já não tinha sido fácil para a presidenta eleita ter que engolir “Chicago boy” logo após ter sido reeleita.

Temer e Meirelles, orientados pelo programa “Uma ponte para o futuro”, deram aos donos do capital aquilo que eles sempre pediram, mas nunca obtiveram da presidenta afastada: confiança.

Confiança é uma palavra forte e com inegável carisma. Segundo os dicionários de língua portuguesa, significa crença na lealdade, na competência; crença de que algo não falhará.

Sem prejuízo ao significado formal, no dicionário cru do mercado, confiança significa corresponder às expectativas. E as expectativas do capital, especialmente do capital financeiro, são claras: reduzir o tamanho do Estado brasileiro, produzir superávit primário e equacionar, tal como determina o script ultraliberal, a dívida pública.

A Constituição Federal de 1988 determinou que todos são iguais perante a lei e têm direito à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao transporte, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade, à infância e à assistência – caso estejam desamparados.

Em um exame sincero de consciência, não há alguém capaz de discordar, substantivamente, que exista igualdade sem a observância desses direitos. Porém, Temer e Meirelles obedecem a um projeto que não se preocupa com isso. A maior prova é a tramitação da PEC 241/2016 que impõe um teto de 20 anos ao investimento em políticas sociais e demais gastos primários.

Se a PEC 241/2016 viger, não será possível ampliar 3,4 milhões de matrículas em creches, 700 mil em pré-escolas, 500 mil em ensino fundamental, 1,6 milhão em ensino médio e 2 milhões em ensino superior público, entre outras metas previstas no Plano Nacional de Educação – como a melhoria do salário dos professores e outros insumos necessários para a realização do processo de ensino-aprendizagem nas escolas públicas brasileiras.

Para a educação, essa emenda constitucional significará a interrupção de um processo de crescimento acelerado do investimento nos últimos anos. De 2008 para cá, por exemplo, as despesas definidas na legislação como manutenção e desenvolvimento do ensino aumentaram 117% acima da inflação – e ainda assim isso foi insuficiente para expandir e melhorar a qualidade da educação.

O golpe mais visível é o golpe à democracia institucional e tem sido o que mais mobiliza parte significativa da população, especialmente em torno do “Fora Temer!”. Porém, é imprescindível que os brasileiros tenham consciência de que enfrentam também outro golpe, contra a Constituição Federal de 1988, os direitos sociais e o melhor legado do programa lulista. Esse golpe é mais ardiloso e começou logo após as eleições de 2014, com o austericídio de Joaquim Levy, ainda sob a presidência de Dilma Rousseff – que hoje diz se arrepender de ter autorizado o pacote, com a indiscutível sinceridade produzida pelos fatos da História.

Ambos os golpes são graves e devem ser denunciados e enfrentados em conjunto. O golpe à democracia institucional maculou a soberania popular e a sagrada regra do jogo eleitoral, com efeitos deletérios à viabilização de qualquer projeto de poder de centro-esquerda. O golpe à democracia social fará com que o Brasil perenize sua gritante desigualdade, voltando a ser o país em que os governos beneficiam as 200 famílias mais ricas da população sem se preocupar, verdadeiramente, com as condições de vida dos 200 milhões de brasileiros e de brasileiras.

O Brasil não pode retroceder na História, mas tem caminhado a passos largos nesse (contra) sentido.


Educação em risco sob a política econômica de Temer-Meirelles

Daniel Cara

Enquanto o processo de impeachment e os desdobramentos da operação Lava-Jato tomam conta da agenda pública, a área econômica do governo interino tem conseguido apoio parlamentar suficiente para pautar e aprovar projetos que impõem riscos aos direitos sociais.

Graças ao trabalho dos parlamentares da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados e à força dos movimentos educacionais, em especial devido ao incansável trabalho de incidência política realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, as políticas educacionais, até aqui, não sofreram os efeitos diretos da DRU (Desvinculação das Receitas da União) e da DREM (Desvinculação das Receitas de Estados e Municípios).

Esse foi o resultado da votação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 4/2015, ocorrida no último dia 8/6. Segundo o texto aprovado, ficou mantido o artigo 212 da Constituição Federal que obriga o investimento de, no mínimo, 18% dos impostos da União (Governo Federal) e, no mínimo, 25% das receitas de Estados e Municípios em manutenção e desenvolvimento do ensino. Além disso, o salário-educação também foi preservado.

A votação da PEC 4/2015 ocorreu um dia após a audiência pública solicitada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação para debater a implementação do PNE 2014-2024 (Plano Nacional de Educação), nos marcos da Semana de Ação Mundial 2016. Na ocasião, todos os expositores foram contra a incidência da DRU e da DREM sobre a educação, bem como os parlamentares.

O texto da PEC 4/2015 segue agora para o Senado Federal, onde encontrará proposta semelhante já votada em primeiro turno.

No contexto político atual, liberar a educação dos efeitos da DRU e da DREM é uma grande conquista. Se o texto da PEC 4/2015 for confirmado pelo Senado Federal, será evitada em 2017 uma perda, para as políticas educacionais, de cerca de R$ 90 bilhões (noventa bilhões de reais). Se com os recursos atuais a educação não vai bem, com R$ 90 bilhões a menos a situação piorará de maneira dramática.

Porém, esse não é o único risco. Amanhã deve chegar ao Congresso Nacional a proposta do Ministro interino da Fazenda, Henrique Meirelles. Ele pretende determinar um teto aos gastos da União. A ideia é impor uma regra: o orçamento público de um ano não poderá ser maior do que o do ano anterior, sendo que o único reajuste permitido será inflacionário – ou seja, não haverá mais ganho real. Em outras palavras, o governo federal poderá aumentar os seus gastos primários, no máximo, de acordo com a inflação do ano anterior.

Diante dessa proposta, o economista João Sicsú fez um estudo interessante. Ele voltou a 2006 e aplicou até 2015 a regra idealizada pelos governantes interinos Michel Temer e Henrique Meirelles. Como se sabe, na educação, o orçamento de 2015 foi de R$ 103,8 bilhões. Se a regra de reajuste inflacionário de Temer e Meirelles tivesse sido implementada em 2006, o orçamento federal para a área teria sido de apenas R$ 31,5 bi em 2015 – um orçamento 70% menor do que o atual.

Com esse volume de recursos, muito pouco poderia ter sido feito nos últimos dez anos, considerando que as políticas públicas de educação envolvem 40 milhões de estudantes e 5 milhões de profissionais, somente na educação básica. Sem contar com mais de 1 milhão de estudantes do ensino superior público.

Desde 2006 o investimento em políticas educacionais cresceu substantivamente. Isso se deu graças à pressão da sociedade civil, a projetos aprovados pelo parlamento e à sensibilidade governamental. Investir em políticas sociais é o melhor caminho para tornar o Brasil um país mais justo.

Se a área for mesmo capaz de ser preservada dos efeitos da DRU e da DREM, seus atores não podem deixar de lutar contra a proposta regressiva de política orçamentária, redigida por Temer e Meirelles.

A questão é simples: se for aprovado o critério de reajuste orçamentário proposto por eles, será impossível criar 3,4 milhões de novas matrículas de creche, 700 mil de pré-escola, 500 mil de ensino fundamental, 1,6 milhão de ensino médio, 14 milhões de vagas para alfabetizar jovens e adultos, 4 milhões de vagas para o ensino técnico profissionalizante de nível médio e 2 milhões de matrículas públicas de ensino superior. Tudo isso está previsto no PNE 2014-2024, mas, acima de tudo, é um direito constitucional dos brasileiros e das brasileiras.


Uma carta aos estudantes em ocupação

Daniel Cara

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(Foto: Estudantes em Assembléia Geral – Publicada no Jornalete da ETESP)

 

A vida permite coincidências incríveis. Comecei a militar pelo direito à educação quando fui eleito presidente do Grêmio Estudantil 28 de março, entidade representativa dos estudantes da Escola Técnica Estadual de São Paulo (ETESP), que faz parte do Centro Paula Souza. Cursava ''Processamento de Dados'', fazias uns bicos, treinava futebol e basquete, mas minha paixão era a política. O sonho era mudar o país e a educação se descortinava como um caminho…

Nenhuma experiência educacional foi mais importante do que a vivida na ETESP, durante os anos de 1993 a 1995. Estudamos muito, fizemos amigos, nos divertimos, sofremos (éramos adolescentes!), sonhamos…

No sábado, dois amigos da época da ETESP, a advogada Ana Túlia de Macedo e o arquiteto Renê de Castro e Silva, visitaram os estudantes que ocupam o Centro Paula Souza, mantenedor de nossa antiga escola. A reivindicação é por alimentação escolar, diante de uma gestão governamental acusada de abrigar uma máfia de desvios de recursos da merenda, além de propor e implementar uma reorganização escolar que se resume a fechar escolas.

Na nossa época, tivemos nossos méritos de mobilização. Lutamos pela prevenção das DSTs/AIDS, discutimos o plebiscito do parlamentarismo contra o presidencialismo – eu era parlamentarista! -, organizamos festas, shows (ETESP in Concert) e campeonatos, fizemos debates diversos, edições do Jornal Omni, etc mas essa geração nos superou em muito e nos enche de orgulho e esperança. É uma outra forma de lutar pelo direito à educação, dando outro significado a ele.

Como um gesto, Ana Túlia propôs a redação de uma carta aos estudantes. Junto com Renê, ela reuniu alguns amigos que estiveram nas gestões do grêmio e articulou o grupo. É um texto de apoio, mas também de agradecimento e fé na garra e na tenacidade dos estudantes. Obrigado Ana e Renê pela ideia e oportunidade. Obrigado aos estudantes pelo exemplo.

Alvaro, Ana Paula, Ana Tulia, Cristiano, Eliana e Renê, sempre é bom caminhar ao lado de vocês!

Espero que os bons profissionais do Centro Paula Souza consigam estabelecer efetivos canais de diálogos com os estudantes. Democracia pressupõe negociação. Certamente, isso não ocorrerá com o uso da Tropa de Choque da Polícia Militar, como foi tentado lamentavelmente pelo gabinete do governador.

Em uma frase: ETESP, ESCOLA DE LUTA!

Abaixo, a Carta:

Brasil, 4 de maio de 2016.

CARTA DE APOIO AOS ESTUDANTES DO CENTRO PAULA SOUZA

Nós, ex-alunos da Escola Técnica Estadual de São Paulo – ETESP, externamos nosso apoio às reivindicações dos estudantes secundaristas que ocupam a sede do Centro Paula Souza desde o último dia 28 de abril.

Os estudantes pedem que:

1 – sejam construídos restaurantes nas unidades da ETECs para o fornecimento de alimentação adequada e que, até a sua conclusão, recebam auxílio-alimentação;

2 – sejam adotadas medidas concretas para a investigação e punição pelos responsáveis pelas fraudes na distribuição de merendas nas escolas estaduais paulistas;

3 – cessem o fechamento de salas de aulas pelo governo do Estado que se comprometeu a interromper o processo de reorganização que previa o fechamento de quase 100 escolas e a transferência de 311 mil alunos para instituições e turnos diferentes.

Entendemos que tais reivindicações são legítimas e que é direito dos estudantes acompanhar, participar e influenciar as decisões do poder público sobre as questões que lhes dizem respeito. A postura ativa de participar deste processo, apresentando suas reivindicações, é algo que deve ser digno de orgulho de nossa sociedade, pelos cidadãos e cidadãs que estão ali sendo formados, entendendo que o momento contemporâneo exige deles essa responsabilidade, a qual estão assumindo. Formar cidadãos com senso crítico é uma das melhores contribuições que a formação escolar pode dar para um país melhor, na direção da construção de uma escola democrática e para todos.

Não podemos compactuar com um governo que por um lado permite o desvio de recursos públicos destinados à compra de merendas escolares e, por outro, não valoriza os professores e não atende às necessidades básicas de suas crianças, adolescentes e jovens.

O direito à educação está assegurado na Constituição Federal de 1988. Tal como afirma o Art. 205, a missão da educação é garantir o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Ou seja, a escola deve ser capaz de formar cidadãos livres, produtivos e capazes de ler criticamente o mundo.

Para que isso ocorra, o Art. 208 determina que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de, entre outros, “atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde”.

Portanto, a reivindicação dos estudantes é justa e constitucional. Ninguém ensina com fome! Ninguém aprende se tem fome!

Não podemos fechar os olhos para esse cenário. O governo tem a responsabilidade de prover as condições para que a educação se efetive, em um processo de escolarização democrática para suas crianças, adolescentes e jovens.

Dessa forma, nós que já estivemos no lugar desses alunos, que sabemos da relevância do ensino médio para formação de cidadãos, e que hoje contribuímos com o pagamento de impostos para garantir que esses jovens tenham atendidas suas necessidades e garantidos seus direitos, exigimos que:

1 – o Governo do Estado de São Paulo se abstenha de usar a força policial para reprimir o direito dos estudantes a exercer sua cidadania;

2 – o Governo do Estado de São Paulo abra o diálogo com estudantes, pais e professores para discutir suas demandas;

3 – o Ministério Público do Estado de São Paulo, o Tribunal de Contas do Estado e demais órgãos de controle deem seguimento à Operação Alba Branca, investiguem e punam os responsáveis pelas fraudes na compra de merendas, cujos desvios chegam a casa dos milhões de reais;

4 – Que o Governador e autoridades do Estado de São Paulo cumpram com a palavra de interromper o processo de fechamento de salas de aula e realocação de alunos, concebido e executado de modo unilateral. E que tal processo seja legitimamente considerado, debatido e reformulado de maneira democrática e transparente, em consulta aos Estudantes, suas famílias, Professores e entidades comprometidas com a construção do direito à Educação de qualidade.

Assinam:

Alvaro Augusto Guedes Galvani – Diplomata, ex-aluno da ETESP turma de 1993 e Vice-presidente do “Grêmio Estudantil 28 de março” – gestão 1994

Ana Paula Serrata Malfitano – Professora da Universidade Federal de São Carlos, ex-aluna da ETESP turma de 1993 e Primeira-secretária do “Grêmio Estudantil 28 de março” – gestão 1994

Ana Tulia de Macedo – Assessora Parlamentar no Senado Federal, ex-aluna da ETESP turma de 1993 e Vice-presidente do “Grêmio Estudantil 28 de março” – gestão 1993

Cristiano Penna Rodrigues – Engenheiro de Computação, ex-aluno da ETESP turma de 1992 e Presidente do “Grêmio Estudantil 28 de março” – gestão 1993

Daniel Cara – Cientista Político, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, ex-aluno da ETESP turma de 1993 e Presidente do “Grêmio Estudantil 28 de março” – gestão 1994

Eliana Antonia Martins de Queiroz – Tecnóloga na Companhia do Metrô de São Paulo e ex-aluna da ETESP turma de 1993

Renê de Castro e Silva – Arquiteto na Prefeitura de São Paulo, ex-aluno da ETESP turma de 1993 e coordenador do curso de edificações do “Grêmio Estudantil 28 de março” – gestão 1994.


O Dia da Educação diante de um provável governo Temer

Daniel Cara

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(Crédito: Danilo Verpa/Folhapress)

Hoje (28/4) é o Dia da Educação – e desde 1988 os direitos educacionais nunca estiveram em situação de tamanho risco.

Em uma leitura realista do cenário atual, até meados de maio, é quase inexorável que o Senado Federal dê continuidade ao processo de impeachment. Com isso, a presidenta Dilma Rousseff será afastada, a princípio, por 180 dias – prazo máximo para o julgamento final.

Apoiado pelo mercado financeiro e pelo setor produtivo, os verdadeiros patrocinadores do processo de impeachment, o futuro governo Temer terá como agenda fundamental o documento “Uma ponte para o futuro”, um projeto ultraliberal, sem qualquer comedimento. A proposta peemedebista é tão grave que mereceria um capítulo adicional no ensaio “Os inimigos íntimos da democracia” (Cia. das Letras) de Tzvetan Todorov.

A síntese do texto é simples. Pode ser resumida ao mantra que tem sido repetido pelo bloco majoritário da elite empresarial e por seus vocalizadores: “a Constituição Federal não cabe no orçamento público”. Obviamente, isso não é verdade.

Em 1988, quando promulgou a Constituição Cidadã, o país optou por construir um projeto inclusivo, dedicado a superar suas históricas desigualdades socioeconômicas e civis: o mais cruel retrato de nossa barbárie. Porém, a Carta Magna exige a prioridade de investimento em políticas sociais, especialmente na educação. É isso que a elite econômica agora combate.

Em 2018 a Constituição Federal completa trinta anos. Há muito a ser feito para cumpri-la, mas desde que foi promulgada, o país tem se tornado (lentamente) mais justo. Um analista frio dirá que nenhum governo fez jus à sua grandeza. Isso é verdade. Porém, também é fato que, sem ela como baliza, os governantes teriam sido, certamente, menos comprometidos com a agenda social. É a manutenção do pacto constitucional que está em jogo.

Além do ataque à Carta Magna, parte significativa da crise atual advém da ideia de que a conciliação lulista, em vigor desde 2003 e vencedora de quatro pleitos presidenciais consecutivos, se tornou cara demais aos olhos do empresariado. Hoje não há dúvida de que a elite econômica abandonou definitivamente o projeto que a beneficiou como nenhum outro, mas que também teve um caráter inclusivo, sendo até o momento o mais próximo dos preceitos constitucionais – mesmo diante de todas as suas insuficiências e limitações. Como sempre, um ditado popular ajuda a explicar o contexto: quando a farinha é pouca, os empresários querem receber seu pirão primeiro.

A vigorosa crise econômica mundial, a consequente queda na demanda e nos preços internacionais das commodities, além dos erros na condução da política econômica, resultaram em um gravíssimo capítulo brasileiro da crise global, na qual o desemprego e a baixa arrecadação derretem o apoio popular ao governo, pois a economia está asfixiada e a atual gestão presidencial não conta com recursos para reagir. Paradoxalmente, sempre é necessário registrar, foi Dilma quem inoculou veneno em sua própria gestão, quando embarcou no austericídio de Joaquim Levy, que entre outros erros, cortou quase R$ 12 bilhões na educação.

Financiada pela elite econômica, bem simbolizada pelo pato (plagiado) da Fiesp, a crise política – e o processo de impeachment, como sua expressão máxima – é resultado da crise econômica.

Para fazer jus à sua “base social”, o empresariado, a “ponte para o futuro” de Temer é um atalho para o passado, até mesmo anterior a 1988. A primeira ação é desvincular recursos constitucionais, tirando o dinheiro da educação, da saúde, da previdência e da assistência social. E se já está sendo difícil fazer decolar o Plano Nacional de Educação, uma agenda urgente, aprovada por unanimidade por todos os partidos do Congresso Nacional, com o programa peemedebista será impossível.

O discurso de posse de Temer, certamente, começará pelo apelo ao sacrifício de todos e terminará com a convocação da “união nacional”. Os sacrificados serão os mais pobres, sem emprego e sem direitos, inclusive o direito à educação. A “união” envolverá todos, mas beneficiará o andar de cima. E isso não é nenhuma novidade no Brasil.

Por sorte, há eleitores no meio do caminho. E seja em 2018, 2022 ou 2026, uma hora será encerrado o ultraliberalismo que se avizinha. Enquanto ele vigorar, dificilmente o direito à educação será uma prioridade e será consagrado no país.


O Dia Internacional da Mulher e o machismo na educação brasileira

Daniel Cara

Embora estudem mais e sejam maioria nas comunidades escolares e educacionais, as mulheres estão sub-representadas nos postos de comando da educação nacional, além de serem vítimas de diversas formas de violências. Em parte isso se deve ao machismo (re)produzido nas escolas e não enfrentado pelas gestões públicas. O Dia Internacional da Mulher é um bom momento para refletir sobre isso.

Hoje é o Dia Internacional da Mulher, um momento de luta, reflexão, reconhecimento e comemoração pelas conquistas obtidas contra as absurdas disparidades entre homens e mulheres.

Poucas áreas são tão majoritariamente femininas quanto a educação. Há muito mais professoras do que professores, funcionárias do que funcionários. E as alunas são mais escolarizadas do que os alunos – o que, obviamente, não deixa de ser um grave problema. Além disso, como mais um dado do machismo, mães participam muito mais do que os pais nas comunidades escolares.

Porém, em que pese esses fatos, o Brasil teve apenas uma Ministra da Educação. Foi a advogada Esther de Figueiredo Ferraz, que ocupou a pasta no governo do general João Figueiredo, de 24 de agosto de 1982 a 15 de março de 1985. Na época, no então Ministério da Educação e Cultura (MEC), ela regulamentou a emenda que estabeleceu percentuais mínimos obrigatórios para a aplicação na educação dos recursos arrecadados em impostos.

Apenas em 2008, uma mulher assumiu a presidência do Conselho Nacional de Educação. Foi a educadora goiana Clélia de Alvarenga Brandão, uma das responsáveis por liderar a elaboração do parecer CNE/CEB 8/2010, que normatiza o Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), criado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. O CAQi é um mecanismo fundamental para mudar a história de subfinanciamento das políticas públicas educacionais no Brasil e deve ser implementado até junho de 2016, segundo o Plano Nacional de Educação (PNE).

A grave sub-representação das mulheres nos postos de comando da educação nacional pode ser explicada por um fator estrutural: embora sejam ampla maioria nas comunidades escolares e educacionais, as escolas brasileiras reproduzem – e produzem – o machismo presente na sociedade brasileira. Aliás, as escolas tanto refletem os valores de uma sociedade quanto tem o poder de moldá-los. Por isso, o Brasil precisa de uma outra educação, uma educação pautada nos valores da cidadania. E não é o que ocorre hoje.

Quem acompanhou as discussões sobre a suposta “ideologia de gênero” na formulação dos planos nacional, estaduais, distrital e municipais de educação viu o quanto é difícil enfrentar o sexismo no país. Setores cristãos retrógrados não aceitam medidas para combater, pela educação, o machismo reinante no país. Aliás, além de não considerarem o Brasil um país machista, também creem que a sociedade brasileira não é racista, nem sexista – desconsiderando todas as tristes evidências do cotidiano nacional.

Em que pese o fato de que esses grupos tenham conseguido retirar referências às acertadas políticas gênero em muitos planos de educação, inclusive no PNE, o enfrentamento do machismo no currículo e no cotidiano escolar continua sendo legalmente legítimo e pedagogicamente indispensável. Afinal, o machismo – assim como o racismo, a homofobia e outras formas de discriminação –, afeta a qualidade da educação, pois compromete a construção de um modelo democrático de cidadania, pautado pelos direitos humanos e por valores asseverados na Constituição Federal. O país precisa compreender: uma escola antimachista oferece uma educação melhor, verdadeiramente inclusiva.

Em relação à questão da paridade de gênero, a Unesco, no relatório sobre o programa “Educação Para Todos 2000-2015”, que estabeleceu metas globais para as políticas educacionais ao redor do mundo, concluiu sobre o Brasil:

“As conquistas obtidas não significam que a situação de opressão das mulheres tenha sido eliminada da vida pública ou privada [brasileira], por isso mesmo são ainda imprescindíveis políticas públicas para mulheres e meninas. Estas são necessárias tanto no sentido de estimular sua participação em áreas de conhecimento e atuação onde sua presença é menor, como de proteger sua integridade física em risco de violência e assédio moral.”

Para enfrentar essa situação, em 9 de setembro de 2015, o Ministério da Educação (MEC) editou portaria que instituiu o Comitê de Gênero. Contudo, dias após, em 21 de setembro, diante da pressão empreendida pela Frente Parlamentar Evangélica (FPE) e pela Frente Parlamentar Católica (FPC), o próprio MEC substituiu o órgão pelo genérico Comitê de Combate às Discriminações. O Comitê de Gênero contava com significativo apoio da comunidade educacional e buscava formular políticas educacionais direcionadas a combater o machismo e o sexismo reinantes.

No tocante às questões de gênero, o Governo Dilma tem cedido desde 2011, quando proibiu a distribuição do kit anti-homofobia para as escolas públicas. Diante do clima político do país, não há esperança de que algo mude nos próximos anos. A não ser que a sociedade brasileira compreenda de uma vez por todas que enfrentar todas as desigualdades que a caracterizam, entre as quais a desigualdade de gênero é uma das principais, é uma questão de justiça social e tarefa fundamental para a verdadeira consagração da cidadania.


A mensagem de Kailash Satyarthi – Prêmio Nobel da Paz de 2014

Daniel Cara

O Prêmio Nobel da Paz de 2014, Kailash Satyarthi, está em visita ao Brasil. Sua primeira atividade foi a Aula Pública organizada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, no dia 26 de janeiro, no Senac Lapa Scipião, em São Paulo .

A ideia desta atividade foi promover o encontro entre a luta pelo direito à educação no Brasil com os desafios dos direitos educacionais ao redor do mundo. Kailash é um dos idealizadores, fundador e principal ativista da coalizão mundial Campanha Global pela Educação, à qual é ligada a Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Ambas foram fundadas em 1999.

Como membro dessa articulação mundial, o ativista indiano conhece e apoia as iniciativas da rede brasileira, como as bem-sucedidas lutas pelo Fundeb, a criação do Custo Aluno-Qualidade Inicial, a destinação das receitas do petróleo para a educação e a aprovação e implementação do Plano Nacional de Educação 2014-2024. Mas o laureado com o Prêmio Nobel da Paz não conhecia a história das ocupações em São Paulo.

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação acertou ao promover o encontro entre Kailash Satyarthi e os estudantes da EE Fernão Dias Paes, uma das mais 200 unidades que foram ocupadas contra a tentativa fracassada de reorganização do ensino paulista.

Antes de ouvir os estudantes, Kailash já tinha dito que “a escravidão humana e o analfabetismo são dois lados da mesma moeda”, para demonstrar os tristes vínculos entre o trabalho escravo, especialmente o infantil, e a não realização do direito à educação.

A história de Kailash não é a da burocracia emergente na sociedade civil mundial – e também na brasileira. Ele organizou missões de resgate para libertar pessoas em situação de escravidão, mobilizou marchas mundiais contra o trabalho infantil, questionou o sistema de participação da Organização das Nações Unidas, visitou autoridades, fez greves de fome e pressionou governantes. Ninguém ganha o Prêmio Nobel da Paz sem sacrifícios em nome de uma causa. E embora seja um excelente orador, Kailash Satyarthi é antes de tudo um homem da boa ação política.

Muitos falam, opinam e escrevem sobre o direito à educação pelo Brasil e no mundo. Contudo, poucos conhecem as injustiças que se perpetuam pela inobservância dos direitos educacionais. E ainda há menos pessoas que lutam, de fato, pela realização desse direito.

A partir de gabinetes refrigerados, parte da sociedade civil brasileira e mundial, especialmente vinculada a iniciativas empresariais, busca opinar sobre reformas do ensino sem sequer conhecer o chão das escolas, as demandas dos estudantes, as reais condições de trabalho dos professores, os desafios da gestão pública ou enfrentar – de fato – debates com parlamentares e membros do Poder Executivo. Fica aqui a lição do Prêmio Nobel da Paz: é preciso agir.

Após os estudantes contarem sua experiência e o porquê de se mobilizarem contra a reorganização do ensino em São Paulo, Kailash sorriu. Para logo em seguida falar: ''quando eu tinha 13 anos, fui preso pela polícia porque tentava ir contra [a entrada do idioma] o inglês no currículo escolar [indiano]. Fui preso e apanhei como vocês. Mas se pudesse, faria tudo de novo. Os jovens têm que ocupar não só as escolas, mas o mundo todo''.

O tempo passa e a consagração do direito humano à educação permanece sendo uma quimera. Para mudar essa realidade é preciso de mais trabalho e menos opiniões vazias. É preciso também dar voz aos estudantes, familiares e educadores. Em complementação à mensagem de Kailash Satyarthi, a educadora estadounidense Diane Ravitch vaticina que “a educação é importante demais para entregá-la às variações do mercado e às boas intenções de amadores.” E ela tem toda razão.


Sistema Nacional de Educação avança na Câmara dos Deputados

Daniel Cara

O relator Glauber Braga (PSOL-RJ) apresentou, na Câmara dos Deputados, sua primeira proposta de Sistema Nacional de Educação (SNE). O SNE será o mecanismo capaz de fazer com que os governos federal, distrital, estaduais e municipais trabalhem juntos para universalizar a educação pública de qualidade no Brasil.

Segundo a Constituição Federal, serão os planos nacionais de educação os instrumentos legais responsáveis por estabelecer as diretrizes, metas e estratégias que orientarão, a cada decênio, o esforço do SNE.

Em relação aos dois projetos iniciais, elaborados pelos deputados Ságuas Moraes (PLC 413/2014) e Felipe Bornier (PLC 15/2011), o texto de Glauber Braga avança e muito – sendo, inclusive, mais coerente com as deliberações da Conferência Nacional de Educação de 2014.

A articulação federativa, o financiamento da educação e, principalmente, os conceitos de Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e Custo Aluno-Qualidade foram bem incorporados – embora haja espaço para melhorias. Além disso, é preciso aprimorar a avaliação da educação, a regulação dos estabelecimentos privados e a estrutura do SNE para a educação superior.

Sobre o CAQi, tema que tem se tornado desnecessariamente árido diante de sua importância, o texto de Glauber Braga já incorpora aspectos da mais recente atualização do estudo empreendido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação desde 2002. Aliás, não existe no país qualquer outro trabalho que conceitualize o CAQi e mensure custos de insumos para a realização do processo de ensino-aprendizagem.

O objetivo do CAQi é garantir que todas as escolas e estabelecimentos de educação infantil no Brasil contem com profissionais que recebem o piso nacional salarial, tenham política de carreira com garantia de formação continuada, número adequado de alunos por turma, alimentação e transporte escolar condigno aos estudantes, além de insumos infraestruturais como biblioteca, internet de banda larga, laboratórios de ciências, laboratórios de informática e quadra poliesportiva coberta.

Com a divulgação do substitutivo de Glauber Braga, a educação conta agora com um texto para ser discutido e negociado, com a vantagem de contar com um relator apto e dedicado a construir consensos, sem abrir mão de princípios.

O ano de 2015, devido à crise política e econômica, travou o cumprimento do Plano Nacional de Educação 2014-2024. Porém, em que pese os obstáculos orçamentários, a área de educação não pode ficar paralisada.

Clique aqui e conheça a proposta de SNE em tramitação na Câmara dos Deputados.


A preocupante reforma do Inep

Daniel Cara

A reforma ministerial, iniciada em setembro desse ano, deflagrou um processo de reestruturação da máquina pública. O Ministério do Planejamento tem determinado, a todas as pastas e autarquias federais, a execução de cortes de pessoal e enxugamento de estruturas de gestão. Dois fatores foram determinantes para essa medida: 1) a crise econômica e orçamentária e 2) a demanda da opinião pública.

Amanhã, dia 04 de dezembro, deve ser anunciado o desligamento de 140 profissionais do Ministério da Educação. Outros órgãos ligados à pasta também sofrerão cortes. Certamente, a educação perderá bons profissionais e é possível discutir os erros e acertos da medida, se haviam alternativas. Porém, a reestruturação já está dada.

Se o enxugamento preocupa, mas é um fato, ele não pode servir como oportunidade para a desconstrução de projetos institucionais, fundamentais para a área. Durante toda a semana, a direção e servidores do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) debatem uma proposta de reestruturação do órgão.

Mesmo diante do enxugamento, o conjunto dos servidores, organizados em torno da Assinep (Associação dos Servidores do Inep), demandam uma discussão pautada no fortalecimento da missão do órgão, para que ele seja capaz de cumprir com as tarefas designadas no Plano Nacional de Educação 2014-2024, especialmente o estabelecimento do Sinaeb (Sistema Nacional de Educação Básica).

Por outro lado, a direção do órgão, diante da perda de cargos, propõe uma reestruturação administrativa que pode significar uma diminuição real do papel e da missão do Inep – o que seria uma perda irreparável para a área da educação.

Diante das divergências, a expectativa da área é que a discussão seja feita com o devido tempo, evitando decisões aligeiradas – o que sempre é o pior caminho. A educação precisa de um Inep sólido, autônomo e capaz de ofertar dados e análises de forma ampla e transparente. Isso é fundamental para qualificar e permitir uma gestão pública profícua – monitorada e avaliada em um intenso processo de controle social das políticas educacionais. O horizonte sempre deve ser sempre o da universalização do direito à educação pública, gratuita, laica e de qualidade no Brasil.


Estudantes brasileiros custam 63% menos do que a média dos países da OCDE

Daniel Cara

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) informou, na edição mais recente do seu relatório “Education at a glance”, que o Brasil é um dos países que menos investem em educação por aluno ao ano.

Quarenta e seis países foram analisados. Luxemburgo, Suíça e Noruega foram os que mais investiram. Na média, em 2012, os três países dispenderam, respectivamente, US$ 21.998, US$ 15.859 e US$ 15.393 por aluno ao ano. O Brasil dispendeu apenas US$ 3.441 por estudante da rede pública – considerando o ensino básico e o ensino superior. Esse montante corresponde a 37% da média dos 34 países que compõem a OCDE, que é de US$ 9.317. A OCDE é uma organização que envolve os países desenvolvidos.

Dito de outro modo, a educação dos estudantes brasileiros foi 63% mais barata do que a média do investimento por aluno ao ano verificada nos países mais riscos.

O dado é revelador. O indicador mais certeiro  sobre o investimento em educação é o custo por aluno ao ano. Ele determina quando custa a manutenção da matrícula dos estudantes das redes púbicas. Outros indicadores sobre financiamento educacional são importantes, mas não são capazes de retratar tão bem o problema. Os dois mais conhecidos são o investimento público em educação como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) ou o esforço orçamentário global.

Nesses dois últimos indicadores, comparativamente, o Brasil não investe pouco. Porém, como o país  mantém muitas matrículas (40 milhões apenas na educação básica), o custo por aluno ao ano no país é muito baixo. E corre o risco de ser menor, pois tem muita gente fora da escola (cerca de 3,8 milhões de brasileiros 4 a 17 anos) pelo Brasil afora e orçamento da educação não está subindo.

Assim, quando se trata do fundamental, que é o direito de cada criança, adolescente, jovem, adulto e idoso a uma educação pública de qualidade, o Brasil precisa avançar muito. E se aumentar o custo por aluno ao ano, a proporção do investimento público em educação frente ao PIB e a porcentagem do orçamento global em educação também devem ser maiores. Portanto, o alcance da meta de investimento equivalente a 10% do PIB depende e muito do aumento do custo por aluno ao ano.

CAQi

Para qualificar e incrementar o investimento por aluno ao ano, o PNE determina que até junho de 2016 o país implemente o Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi).

Criado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o CAQi é um mecanismo que determina quanto deve ser investido por aluno ao ano de cada etapa e modalidade da educação básica. Ele considera os custos de manutenção das creches, pré-escolas e escolas para que estes equipamentos garantam um padrão mínimo de qualidade para a educação básica.

Para realizar este cálculo, o CAQi determina um tamanho adequado para as turmas, propõe custos com formação, salários e carreira compatíveis com a responsabilidade dos profissionais da educação, além de demandar instalações, equipamentos e infraestrutura adequados, na forma de insumos como laboratórios, bibliotecas, quadras poliesportivas cobertas, materiais didáticos, entre outros. Enfim, o CAQi contempla as condições e os insumos materiais e humanos mínimos necessários para que os professores consigam ensinar e para que os alunos possam aprender.

Porém, para ser implementado, o CAQi exige maior participação do Governo Federal no investimento em educação, como estabelece – novamente – a Constituição Federal (parágrafo primeiro do artigo  211) e o próprio PNE (Estratégia 20.10). Segundo cálculos da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a efetivação do CAQi exige R$ 37 bilhões por ano.

Para isso virar realidade, é imprescindível uma revisão da política de ajuste fiscal, que tirou R$ 10,2 bilhões da educação nacional em 2015. Os cortes no setor da educação e os seus impactos negativos para a implementação do PNE estão inclusive destacados entre as principais preocupações oficiais apresentadas ao Governo Brasileiro pelo Comitê sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU) – órgão máximo de monitoramento dos direitos das crianças e dos adolescentes no mundo.

A ONU foi alertada sobre os possíveis riscos do ajuste fiscal para garantia dos direitos educacionais pela rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, por meio de uma ação de incidência política em Genebra.