Dia dos Professores: celebrar sem hipocrisia
Daniel Cara
Quinze de outubro é o Dia das Professoras e dos Professores. Entra ano, sai ano e sempre há o questionamento se a data deve ser comemorada ou não, por decorrência do descaso nacional com a profissão docente. Não deve haver dúvida: o magistério merece e deve ser celebrado por toda a sociedade brasileira. Abrir mão disso é também uma forma de fortalecer os detratores da educação, das educadoras e dos educadores.
No entanto, a celebração não pode dar espaço à hipocrisia – e todo quinze de outubro tem sido terreno fértil para discursos supostamente bem intencionados, diversionistas e desacompanhados de qualquer atitude prática.
Pipocam no dia de hoje frases reveladoras como o “professor é a profissão mais importante porque ele forma do médico ao engenheiro, passando pelos cientistas”. Grita a ironia da mensagem: a docência é a profissão mais importante porque, justamente, forma os profissionais que, realmente, são valorizados pela sociedade: os médicos, os engenheiros, os cientistas… não os educadores. Decorre dessa frase a ideia de que o magistério é uma profissão menor, cuja satisfação se encontra exclusivamente na realização do outro, como se não houvesse prazer intrínseco em ensinar.
Pior do que essa é outra frase, tema de uma peça publicitária veiculada por um movimento de base empresarial para o dia 15 de outubro de anos atrás: “se tem uma lição de casa que o Brasil precisa fazer, é valorizar o bom professor”. Desconheço uma campanha de valorização profissional dedicada apenas (!) aos bons: o ‘bom’ engenheiro, o ‘bom’ advogado, o ‘bom’ médico, muito menos o ‘bom’ jornalista, jamais o ‘bom’ empresário. É inaceitável ver o magistério sendo alijado do conceito de categoria, enquanto o mesmo não ocorre com as demais profissões. Apenas entre os professores parece ser aceitável separar, logo de cara, o joio do trigo – sem sequer ser acordado qual é o critério para selecionar os maus profissionais dos bons profissionais. Aliás, os docentes jamais são tratados como deveriam: como profissionais, ficando limitados à improdutiva e injusta dualidade de serem vistos como heróis ou culpados pela situação educacional do país.
A brincadeira é fértil e seria possível passar todo o dia de hoje discorrendo sobre a hipocrisia ou o cinismo reinante no Dia dos Professores, porém é mais útil reiterar o que é óbvio: nenhum país do mundo foi capaz de consagrar o direito à educação pública de qualidade sem a devida valorização do magistério. E isso significa salário inicial atraente, política estimulante de carreira, formação continuada contextualizada, salas de aula com número adequado de alunos por turma e escolas com bibliotecas, laboratórios de ciências, laboratórios de informática, Internet banda larga, quadra poliesportiva coberta e brinquedoteca para as crianças.
Para universalizar em todo o território nacional esse padrão de qualidade, seria preciso investir R$ 50 bilhões a mais, por ano, em educação básica pública. É isso que demanda o mecanismo do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), criado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação em 2007 e que deveria ser implementado em todo Brasil a partir de junho de 2016, segundo a Lei 13.005/2014, que estabelece o Plano Nacional de Educação 2014-2024.
Aqui cabe a pergunta: quantos formadores de opinião e quantas fundações e movimentos empresariais que falam sobre a importância dos professores têm a coragem e a coerência de assumirem, integralmente, as demandas da valorização docente?
Quantos formadores de opinião e quantas fundações e movimentos empresariais que falam em combater as desigualdades brasileiras foram verdadeiramente contra a Emenda à Constituição 95/2016, que determina que, por 20 anos (!) nenhum centavo novo do orçamento público da União seja investido em educação, o que inviabiliza a necessária colaboração do Governo Federal com a valorização docente, por meio da devida parceria com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios?
Sem recursos novos, com o advento da Emenda à Constituição 95/2016, formulada pelo Governo Temer e apoiada pela elite econômica, a maior parte das fundações e movimentos empresariais colabora com o Ministério da Educação para reduzir à formação docente as mazelas da educação brasileira.
Segundo seus vocalizadores, os professores tem baixíssima formação, não sabem ensinar e isso precisa mudar. Obviamente, é possível avançar e muito na formação dos docentes, porém é revelador a escolha por pinçar essa política em detrimento de toda a agenda da valorização do magistério.
O foco na formação dos professores responsabiliza essencialmente o docente pelo fracasso do seu trabalho, pois ele permanecerá alijado dos demais elementos que compõe o conjunto das condições de trabalho necessárias para o exercício digno do magistério, o que é imprescindível para a realização bem-sucedida do processo de ensino-aprendizagem. Em outras palavras, não adianta a melhor política de formação de professores se as escolas permanecerem precárias, as salas continuarem superlotadas e os salários resistirem em ser absurdamente baixos.
Além disso, desconhecedoras das escolas públicas e distantes da realidade educacional do país, nada leva a crer que as fundações e os movimentos empresariais possuem capacidade técnica para propor ou liderar processos de formação de professores.
A educadora estadunidense Diane Ravitch, depois de ter caído no canto das sereias das fundações e movimentos empresariais, concluiu, criticamente, que “a educação é importante demais para ser entregue às variações do mercado e às boas intenções de amadores”.
Diante disso, o melhor que o Brasil pode fazer nesse Dia dos Professores é começar a entregar o governo da educação aos educadores, pondo fim ao amadorismo pedagógico e à hipocrisia reinante no debate educacional. Apenas quando o país completar essa tarefa ela poderá comemorar plenamente o Dia dos Professores, sem quaisquer ressalvas.
Ainda assim, mesmo que seja como um ato de resistência celebrativa:
Feliz Dia das Professoras e Feliz Dia dos Professores!