Em vez de negociar, MEC propõe cercear a liberdade de expressão
Daniel Cara
Diversos veículos noticiaram a disposição do Ministro de Estado da Educação, Mendonça Filho, de questionar, juridicamente, as entidades que apoiam as ocupações de escolas.
Segundo matéria publicada neste UOL, o Ministro da Educação teria dito: “apresentaremos à AGU [Advocacia Geral da União] os elementos que comprovam a atuação dessas entidades, e essa característica tem que ser demonstrada juridicamente. Temos a obrigação legal e moral de buscar e demonstrar essa caracterização — porque a atuação foi inclusive clara, do ponto de vista de manifestações públicas, em defesa desta tese de ocupar para inviabilizar inclusive as provas do Enem”.
A declaração é preocupante em três aspectos. Primeiro, nenhuma entidade defendeu a inviabilização das provas do Enem, pelo contrário. Segundo, revela o desconhecimento do Ministro da Educação sobre a lógica e a organicidade do movimento. Terceiro, mostra uma visão distorcida sobre a liberdade de expressão dos alunos e da sociedade civil.
As ocupações são organizadas pelo princípio da autonomia decisória. Basicamente, os estudantes deliberam por meio de assembleias, rejeitando qualquer tipo de direcionamento político-partidário ou institucional. Alguns estudantes são filiados a partidos, muitos outros não.
Aliás – e nunca é ocioso lembrar – a filiação partidária é um direito político de todos os cidadãos brasileiros. Direito esse exercido por Mendonça Filho, filiado ao “Democratas” há anos – o que é legítimo tanto no caso dele quanto no caso da filiação partidária de alguns estudantes.
Ademais, o MEC poderia ter negociado com os alunos uma alternativa para garantir a aplicação das provas em todas as escolas.
Há alguns dias, o coordenador do Programa de Cidadania dos Adolescentes do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no país, Mário Volpi, declarou que o Brasil tinha perdido a chance de abrir diálogo com jovens. Segundo matéria publicada no site da Revista Exame, Volpi afirmou que o prolongamento das ocupações, a ponto de adiar a aplicação da prova, deve ser visto pelo MEC como uma “lição aprendida”. Ele afirmou: “eu não sei quais foram as tentativas (de negociação) feitas pelo governo, mas foi uma oportunidade perdida. Era um momento de abrir um diálogo transparente”.
Em tempos de teses absurdas como a do movimento “Escola sem Partido”, ver um Ministro da Educação querer cercear o direito de manifestação de estudantes e de entidades da sociedade civil é grave. Respeitar e se solidarizar com as ocupações de escolas contra proposições graves do Governo Temer, como a Medida Provisória do Ensino Médio (MP 746/2016) e a Proposta de Emenda à Constituição do Novo Regime Fiscal (PEC 55/2016), é um direito básico de liberdade de expressão da sociedade civil. E não cabe qualquer tipo de questionamento jurídico.
Esse tipo de declaração só reforça o sentimento, já vivo, de que a democracia vem sendo cerceada no Brasil.
E tudo isso poderia ser resolvido se a Reforma do Ensino Médio fosse debatida via Projeto de Lei e a PEC 55/2016 (na Câmara dos Deputados PEC 241/2016) fosse discutida em profundidade no Congresso Nacional, apontando todos seus malefícios. É preciso dar um basta ao açodamento irrefletido para aprovação de matérias tão danosas ao direito à educação.