O Brasil diminuiu sob o teto da PEC 241
Daniel Cara
Arte: Claudius Ceccon.
O país amanheceu menor em 11 de outubro de 2016. Aquele que chamava a atenção do mundo por sua capacidade de construir políticas sociais inclusivas e enfrentar – ainda que timidamente – sua gritante desigualdade socioeconômica e civil dá lugar a uma nação sem perspectiva, incapaz de buscar alternativas que não sejam prejudicar ainda mais o povo, fazendo com que ele pague por uma conta que não é dele.
Esse é o resumo dos efeitos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/2016, chamada por seus defensores de “PEC do Teto dos Gastos”, embora mereça o apelido dado nas redes sociais de “PEC das Desigualdades”.
Em setembro, estive na Assembleia Geral das Nações Unidas, integrando as delegações da Campanha Latino-americana pelo Direito à Educação e da Campanha Global pela Educação. Minha missão era denunciar os impactos da PEC 241/2016 sobre os investimentos em educação (mas poderia falar de saúde, assistência social, cultura, ciência e tecnologia, etc). Obtive êxito, mas foi difícil explicar.
Nenhuma missão diplomática acreditava que um governo carente de legitimidade, como o de Michel Temer (PMDB-SP), conseguiria aprovar uma medida que impedirá o financiamento adequado das políticas sociais por um período de 20 anos. Incrédulos, duvidavam que eu falava do Brasil, tratado por quase toda comunidade internacional como um gigante do Sul. Depois questionavam se era possível desmontar todo o aparato social criado desde a Constituição Federal de 1988 – essa é a narrativa que o mundo conhece. No final, após lerem o texto traduzido da PEC 241/2016, diziam que ela é uma insanidade.
Como resultado do que vi e vivi em Nova Iorque, posso dizer que o Brasil é uma economia relevante demais para qualquer país desconsiderá-la. Não tenho dúvida de que o mundo não dará as costas para nós, até porque estamos em liquidação, com o governo ávido para vender parte relevante do nosso patrimônio. Porém, tampouco seremos uma democracia respeitada perante o mundo até 2018.
O mais duro é que no interior de nossas fronteiras o jogo é bem mais dramático do que o julgamento feito pelo mundo: para quem vive aqui, o impacto do governo Temer é muito mais profundo e danoso. A PEC 241/2016, além de draconiana e inédita, nada mais é do que uma porta escancarada para inúmeras outras medidas contrárias à Constituição Federal de 1988.
Sob o teto orçamentário global imposto por Temer e seus cúmplices no Parlamento, não será apenas a educação, a saúde e a assistência social que deixarão de receber os recursos necessários. Uma reforma da previdência injusta encontrará uma nova narrativa orçamentária, sob pena de o setor previdenciário romper com o teto.
A privatização dos serviços públicos encontrará também uma justificativa demagógica: há quem dirá que é possível aliar lucro a um serviço público de qualidade subfinanciado, o que nunca foi verdade, em nenhum lugar do mundo, mesmo quando o financiamento das políticas sociais é adequado.
Na prática, os serviços ofertados serão ainda mais precários, menos universais, e deixarão na mão quem já sofre com a pobreza. Foi o que ocorreu nos Estados Unidos da América e na Suécia recentemente, em duas estratégias distintas e malsucedidas de privatização das matrículas. Em ambos os países, marcadamente desenvolvidos e sem as restrições orçamentárias brasileiras, isso não deu certo e está sendo revisto; nada indica que no Brasil será diferente. Pelo contrário. A história das políticas educacionais comprova que a razão e o trabalho pedagógico são diametralmente opostos à razão mercantil.
A lista de malefícios, caso a PEC 241/2016 seja aprovada, de fato, é imensa. Se trata da mais clara tentativa de desconstruir o acordo social estabelecido na Constituição Federal de 1988.
Cientes dos impactos da decisão absurda que tomavam, durante a votação da PEC 241/2016, muitos deputados discursaram culpando os governos do PT pela suposta necessidade hodierna de impor à nação o teto dos gastos públicos. É uma atitude irresponsável. O ressentimento, o ódio e o imaturo revanchismo político-partidário jamais podem servir como justificativa para prejudicar o povo. A vida das pessoas é algo sério demais para ficar a mercê de disputas comezinhas.
Além disso, não há indicações concretas de que o teto que será imposto trará efeitos positivos para o crescimento econômico, pelo contrário. É uma aposta arriscada, com a desculpa de que algo precisava ser feito, mesmo sendo pouco debatido, como chegou a ser defendido por muitos formadores de opinião na grande imprensa.
Apenas para listar um resultado da PEC 241/2016, é possível dizer que ela desconstrói o Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014). Isso significa assumir que, até 2024, os professores não vão ganhar um salário justo, as salas de aula continuarão superlotadas, as escolas permanecerão com infraestrutura indigna e de baixíssima qualidade.
E esse alerta das Nações Unidas é válido porque, segundo estudo da Câmara dos Deputados, sob os efeitos da PEC 241, a educação perderá mais de R$ 45 bilhões de reais no acumulado de 10 anos, . É um recurso capaz de beneficiar, verdadeiramente, os 200 milhões de brasileiros, especialmente os mais pobres.
O Brasil amanheceu menor ao inviabilizar os investimentos em educação e nas demais políticas sociais. Justamente diante do nosso último bônus demográfico. Ou seja, nossa última geração pujante de crianças, adolescentes e jovens – até aqui somos um país majoritariamente de jovens, em 2030 passaremos a ser um país de adultos e, depois, de idosos.
Frente a tudo isso, só há uma alternativa: informar as pessoas sobre o que significa a PEC 241/2016 e resistir. É preciso evitar que ela seja aprovada no segundo turno na Câmara dos Deputados em 24 de outubro. Caso não obtenhamos sucesso, é imprescindível rejeitá-la no Senado Federal. Se isso não for feito, no mínimo, ficaremos mais 20 anos distantes de sermos um país justo. E não dá para esperar mais…
Nesse sentido, conheça aqui a posição de diversas entidades sobre a PEC 241/2016: organizações afirmam que PEC 241 representa negação de direitos fundamentais.