Blog do Daniel Cara

Arquivo : outubro 2016

Dia do Professor: embora os golpes contra o magistério, há esperança
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Daniel Cara

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Imagem: Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

O dia 15 de outubro de 2016, Dia do Professor, começa com gosto amargo, considerando a tramitação do programa “Escola Sem Partido” (PL 7.180/2014), da medida provisória do Ensino Médio (MP 746) e da PEC das Desigualdades (PEC 241/2016 ou PEC do Teto) no Congresso Nacional.

O projeto de lei do programa “Escola sem Partido” constrange a liberdade de cátedra, propõe uma educação medíocre e permite o estabelecimento de tribunais pedagógicos nas escolas brasileiras, pautados pelo clima de perseguição. Sob o slogan moralista “meus filhos, minhas regras” quer impor aos estudantes o teto de perspectivas dos pais, enquanto o que os alunos querem é aprender para conquistar o mundo. É um projeto infeliz e perigoso, sob diversos aspectos.

A medida provisória do Ensino Médio elimina disciplinas centrais para a formação do estudante, como artes, educação física, filosofia e sociologia, além de desorganizar as redes de ensino, ampliar e carimbar as desigualdades entre alunos de diferentes classes sociais, desconstruir a educação profissional de qualidade, estimular a privatização da educação e concentrar recursos no ensino médio, prejudicando o ensino fundamental e a educação infantil.

Por último, a PEC 241/2016 – entre muitos outros efeitos danosos – inviabiliza, por 20 anos, a transferência de recursos do governo federal para a educação básica. Sem esse dinheiro, é impossível a justa equiparação da média salarial entre os docentes e os demais profissionais com a mesma escolaridade.

Além disso, a PEC das Desigualdades não permite a melhoria das condições de trabalho do magistério, o que aconteceria por meio da efetiva implementação do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024 e, consequentemente, do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi).

O CAQi é o mecanismo capaz de garantir escolas públicas com professores melhor remunerados, com política de carreira, formação continuada, número adequado de alunos por turma, bibliotecas, laboratórios de ciências, laboratórios de informática, Internet banda larga, quadra poliesportiva completa, alimentação escolar nutritiva e bom transporte escolar. Não há como dizer que isso não é justo.

O projeto de lei do programa “Escola sem Partido”, a MP do Ensino Médio e a PEC 241/2016 são projetos que recrudescem a pior tradição educacional brasileira: tratar os professores como culpados pelas mazelas educacionais. Poucos brasileiros têm a consciência de que os docentes são profissionais que, como quaisquer outros, necessitam ter condições de trabalho adequadas e serem remunerados de forma justa.

Para não enfrentar esse fato, já há alguns anos, a moda no debate público é dizer que é preciso atrair os melhores alunos das melhores universidades para o magistério. É um discurso fácil, pautado por uma meia verdade. É óbvio que qualquer área deseja atrair jovens talentos. Porém, quando gestores públicos e formadores de opinião repetem esse mantra, querem dizer, na verdade, que é preciso trocar os profissionais da educação que atuam nas escolas públicas por outros. Consideram que eles não servem. Quando muito, dizem que o problema dos educadores se resolve com formação continuada. Não é por ai.

Todo profissional, em qualquer área, precisa aprender continuamente – não apenas o professor. Ademais, quantos brasileiros formados nas melhores universidades aceitariam um salário inicial de cerca de R$ 2 mil por uma jornada de 40 horas, enfrentando condições de trabalho ruins e sem uma política de carreira capaz de permitir a construção de um projeto de vida? Não é a toa que as redes públicas, semana a semana, perdem bons profissionais concursados, muitos deles jovens promissores com boa formação.

O Brasil é país paradoxal. A maior parte dos gestores públicos e dos formadores de opinião que se dedicam à educação básica sequer pisou em uma escola pública. Se muito, entre esses, um ou outro conhece algum clássico obrigatório da pedagogia. E como se isso fosse pouco, os parlamentares atuais propõem projetos de lei absurdos como o “Escola sem Partido” e o Poder Executivo, liderado por Michel Temer (PMDB-SP), tem a coragem de propor textos legislativos terríveis, como a MP do Ensino Médio e a PEC 241/2016.

Diante desse cenário, embora o gosto amargo na boca em pleno Dia do Professor, os docentes têm um alento, o mais importante de todos. Ao olhar adiante verão os jovens que ocupam escolas. Eles pedem uma nova prática pedagógica, a valorização docente e uma educação emancipadora. Mais do que isso, levantam a voz e organizam bons argumentos contra o “Escola sem Partido”, a MP do Ensino Médio e a PEC 241/2016, todas medidas que impossibilitam os direitos educacionais.

Os jovens querem algo básico: uma educação que os faça crescer, que os faça ser plenos. E mesmo enfrentando um aparato repressivo intolerante e muito bem estruturado em cada Estado do país, perseveram – quase sempre de mãos dadas com seus professores, como está ocorrendo nesse momento no Paraná, para citar apenas um bom exemplo.

Os estudantes são a prova de que o trabalho pedagógico compensa, mesmo diante das péssimas condições para a realização do processo de ensino-aprendizagem. Mais do que isso, os alunos manifestam vibrante disposição para mudar o rumo das coisas e para que os professores sejam respeitados como profissionais.

E assim… ao tomar conhecimento de cada atividade pedagógica em uma escola ocupada, a cada estudante que exige uma nova educação, o amargor da boca vai se diluindo e começa a surgir um sorriso de satisfação, ainda tímido, um pouco cansado, talvez, mas ele cresce, vai ganhando todo o rosto…

E é nesse momento de leveza, com a consciência de que o dever está sendo cumprido – apesar dos pesares! – que eu quero desejar um Feliz Dia da Professora e um feliz Dia do Professor a cada uma e a cada um dos dois milhões de docentes brasileiros.

Parabéns por tirarem leite de pedra, a cada dia!

Parabéns pela generosidade e pelo compromisso profissional de cada um de vocês!

E – mais do que tudo – parabéns por manterem viva a chama da esperança nessa nação, embora ela jamais tenha retribuído e lhes respeitado como deveria: verdadeiramente considerando vocês profissionais imprescindíveis para o desenvolvimento justo e sustentável de nosso país.

Parafraseando Mario Quintana, “a todos aqueles que atravancam nosso caminho, eles passarão, nós passarinhos”.


O Brasil diminuiu sob o teto da PEC 241
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Daniel Cara

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Arte: Claudius Ceccon.

O país amanheceu menor em 11 de outubro de 2016. Aquele que chamava a atenção do mundo por sua capacidade de construir políticas sociais inclusivas e enfrentar – ainda que timidamente – sua gritante desigualdade socioeconômica e civil dá lugar a uma nação sem perspectiva, incapaz de buscar alternativas que não sejam prejudicar ainda mais o povo, fazendo com que ele pague por uma conta que não é dele.

Esse é o resumo dos efeitos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/2016, chamada por seus defensores de “PEC do Teto dos Gastos”, embora mereça o apelido dado nas redes sociais de “PEC das Desigualdades”.

Em setembro, estive na Assembleia Geral das Nações Unidas, integrando as delegações da Campanha Latino-americana pelo Direito à Educação e da Campanha Global pela Educação. Minha missão era denunciar os impactos da PEC 241/2016 sobre os investimentos em educação (mas poderia falar de saúde, assistência social, cultura, ciência e tecnologia, etc). Obtive êxito, mas foi difícil explicar.

Nenhuma missão diplomática acreditava que um governo carente de legitimidade, como o de Michel Temer (PMDB-SP), conseguiria aprovar uma medida que impedirá o financiamento adequado das políticas sociais por um período de 20 anos. Incrédulos, duvidavam que eu falava do Brasil, tratado por quase toda comunidade internacional como um gigante do Sul. Depois questionavam se era possível desmontar todo o aparato social criado desde a Constituição Federal de 1988 – essa é a narrativa que o mundo conhece. No final, após lerem o texto traduzido da PEC 241/2016, diziam que ela é uma insanidade.

Como resultado do que vi e vivi em Nova Iorque, posso dizer que o Brasil é uma economia relevante demais para qualquer país desconsiderá-la.  Não tenho dúvida de que o mundo não dará as costas para nós, até porque estamos em liquidação, com o governo ávido para vender parte relevante do nosso patrimônio. Porém, tampouco seremos uma democracia respeitada perante o mundo até 2018.

O mais duro é que no interior de nossas fronteiras o jogo é bem mais dramático do que o julgamento feito pelo mundo: para quem vive aqui, o impacto do governo Temer é muito mais profundo e danoso. A PEC 241/2016, além de draconiana e inédita, nada mais é do que uma porta escancarada para inúmeras outras medidas contrárias à Constituição Federal de 1988.

Sob o teto orçamentário global imposto por Temer e seus cúmplices no Parlamento, não será apenas a educação, a saúde e a assistência social que deixarão de receber os recursos necessários. Uma reforma da previdência injusta encontrará uma nova narrativa orçamentária, sob pena de o setor previdenciário romper com o teto.

A privatização dos serviços públicos encontrará também uma justificativa demagógica: há quem dirá que é possível aliar lucro a um serviço público de qualidade subfinanciado, o que nunca foi verdade, em nenhum lugar do mundo, mesmo quando o financiamento das políticas sociais é adequado.

Na prática, os serviços ofertados serão ainda mais precários, menos universais, e deixarão na mão quem já sofre com a pobreza. Foi o que ocorreu nos Estados Unidos da América e na Suécia recentemente, em duas estratégias distintas e malsucedidas de privatização das matrículas. Em ambos os países, marcadamente desenvolvidos e sem as restrições orçamentárias brasileiras, isso não deu certo e está sendo revisto; nada indica que no Brasil será diferente. Pelo contrário. A história das políticas educacionais comprova que a razão e o trabalho pedagógico são diametralmente opostos à razão mercantil.

A lista de malefícios, caso a PEC 241/2016 seja aprovada, de fato, é imensa. Se trata da mais clara tentativa de desconstruir o acordo social estabelecido na Constituição Federal de 1988.

Cientes dos impactos da decisão absurda que tomavam, durante a votação da PEC 241/2016, muitos deputados discursaram culpando os governos do PT pela suposta necessidade hodierna de impor à nação o teto dos gastos públicos. É uma atitude irresponsável. O ressentimento, o ódio e o imaturo revanchismo político-partidário jamais podem servir como justificativa para prejudicar o povo. A vida das pessoas é algo sério demais para ficar a mercê de disputas comezinhas.

Além disso, não há indicações concretas de que o teto que será imposto trará efeitos positivos para o crescimento econômico, pelo contrário. É uma aposta arriscada, com a desculpa de que algo precisava ser feito, mesmo sendo pouco debatido, como chegou a ser defendido por muitos formadores de opinião na grande imprensa.

Apenas para listar um resultado da PEC 241/2016, é possível dizer que ela desconstrói o Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014). Isso significa assumir que, até 2024, os professores não vão ganhar um salário justo, as salas de aula continuarão superlotadas, as escolas permanecerão com infraestrutura indigna e de baixíssima qualidade.

Além disso, não serão criadas 3,4 milhões de matrículas em creches, 700 mil em pré-escolas, 500 mil em ensino fundamental, 1,6 milhão em ensino médio, 14 milhões para alfabetizar jovens e adultos e 2 milhões de matrículas nas universidades federais – que vão permanecer elitizadas. Essa ampliação de vagas está prevista no Plano.

Inclusive, a PEC 241 vai na contramão da última recomendação da ONU (Comitê sobre os Direitos da Criança – 2015) ao Brasil: mesmo em contextos de crise econômica ou política, deve-se garantir os recursos para a implementação do Plano Nacional de Educação.

E esse alerta das Nações Unidas é válido porque, segundo estudo da Câmara dos Deputados, sob os efeitos da PEC 241, a educação perderá mais de R$ 45 bilhões de reais no acumulado de 10 anos, . É um recurso capaz de beneficiar, verdadeiramente, os 200 milhões de brasileiros, especialmente os mais pobres.

O Brasil amanheceu menor ao inviabilizar os investimentos em educação e nas demais políticas sociais. Justamente diante do nosso último bônus demográfico. Ou seja, nossa última geração pujante de crianças, adolescentes e jovens – até aqui somos um país majoritariamente de jovens, em 2030 passaremos a ser um país de adultos e, depois, de idosos.

Frente a tudo isso, só há uma alternativa: informar as pessoas sobre o que significa a PEC 241/2016 e resistir. É preciso evitar que ela seja aprovada no segundo turno na Câmara dos Deputados em 24 de outubro. Caso não obtenhamos sucesso, é imprescindível rejeitá-la no Senado Federal. Se isso não for feito, no mínimo, ficaremos mais 20 anos distantes de sermos um país justo. E não dá para esperar mais…

Nesse sentido, conheça aqui a posição de diversas entidades sobre a PEC 241/2016: organizações afirmam que PEC 241 representa negação de direitos fundamentais.


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