Blog do Daniel Cara

Uma carta aos estudantes em ocupação

Daniel Cara

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(Foto: Estudantes em Assembléia Geral – Publicada no Jornalete da ETESP)

 

A vida permite coincidências incríveis. Comecei a militar pelo direito à educação quando fui eleito presidente do Grêmio Estudantil 28 de março, entidade representativa dos estudantes da Escola Técnica Estadual de São Paulo (ETESP), que faz parte do Centro Paula Souza. Cursava ''Processamento de Dados'', fazias uns bicos, treinava futebol e basquete, mas minha paixão era a política. O sonho era mudar o país e a educação se descortinava como um caminho…

Nenhuma experiência educacional foi mais importante do que a vivida na ETESP, durante os anos de 1993 a 1995. Estudamos muito, fizemos amigos, nos divertimos, sofremos (éramos adolescentes!), sonhamos…

No sábado, dois amigos da época da ETESP, a advogada Ana Túlia de Macedo e o arquiteto Renê de Castro e Silva, visitaram os estudantes que ocupam o Centro Paula Souza, mantenedor de nossa antiga escola. A reivindicação é por alimentação escolar, diante de uma gestão governamental acusada de abrigar uma máfia de desvios de recursos da merenda, além de propor e implementar uma reorganização escolar que se resume a fechar escolas.

Na nossa época, tivemos nossos méritos de mobilização. Lutamos pela prevenção das DSTs/AIDS, discutimos o plebiscito do parlamentarismo contra o presidencialismo – eu era parlamentarista! -, organizamos festas, shows (ETESP in Concert) e campeonatos, fizemos debates diversos, edições do Jornal Omni, etc mas essa geração nos superou em muito e nos enche de orgulho e esperança. É uma outra forma de lutar pelo direito à educação, dando outro significado a ele.

Como um gesto, Ana Túlia propôs a redação de uma carta aos estudantes. Junto com Renê, ela reuniu alguns amigos que estiveram nas gestões do grêmio e articulou o grupo. É um texto de apoio, mas também de agradecimento e fé na garra e na tenacidade dos estudantes. Obrigado Ana e Renê pela ideia e oportunidade. Obrigado aos estudantes pelo exemplo.

Alvaro, Ana Paula, Ana Tulia, Cristiano, Eliana e Renê, sempre é bom caminhar ao lado de vocês!

Espero que os bons profissionais do Centro Paula Souza consigam estabelecer efetivos canais de diálogos com os estudantes. Democracia pressupõe negociação. Certamente, isso não ocorrerá com o uso da Tropa de Choque da Polícia Militar, como foi tentado lamentavelmente pelo gabinete do governador.

Em uma frase: ETESP, ESCOLA DE LUTA!

Abaixo, a Carta:

Brasil, 4 de maio de 2016.

CARTA DE APOIO AOS ESTUDANTES DO CENTRO PAULA SOUZA

Nós, ex-alunos da Escola Técnica Estadual de São Paulo – ETESP, externamos nosso apoio às reivindicações dos estudantes secundaristas que ocupam a sede do Centro Paula Souza desde o último dia 28 de abril.

Os estudantes pedem que:

1 – sejam construídos restaurantes nas unidades da ETECs para o fornecimento de alimentação adequada e que, até a sua conclusão, recebam auxílio-alimentação;

2 – sejam adotadas medidas concretas para a investigação e punição pelos responsáveis pelas fraudes na distribuição de merendas nas escolas estaduais paulistas;

3 – cessem o fechamento de salas de aulas pelo governo do Estado que se comprometeu a interromper o processo de reorganização que previa o fechamento de quase 100 escolas e a transferência de 311 mil alunos para instituições e turnos diferentes.

Entendemos que tais reivindicações são legítimas e que é direito dos estudantes acompanhar, participar e influenciar as decisões do poder público sobre as questões que lhes dizem respeito. A postura ativa de participar deste processo, apresentando suas reivindicações, é algo que deve ser digno de orgulho de nossa sociedade, pelos cidadãos e cidadãs que estão ali sendo formados, entendendo que o momento contemporâneo exige deles essa responsabilidade, a qual estão assumindo. Formar cidadãos com senso crítico é uma das melhores contribuições que a formação escolar pode dar para um país melhor, na direção da construção de uma escola democrática e para todos.

Não podemos compactuar com um governo que por um lado permite o desvio de recursos públicos destinados à compra de merendas escolares e, por outro, não valoriza os professores e não atende às necessidades básicas de suas crianças, adolescentes e jovens.

O direito à educação está assegurado na Constituição Federal de 1988. Tal como afirma o Art. 205, a missão da educação é garantir o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Ou seja, a escola deve ser capaz de formar cidadãos livres, produtivos e capazes de ler criticamente o mundo.

Para que isso ocorra, o Art. 208 determina que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de, entre outros, “atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde”.

Portanto, a reivindicação dos estudantes é justa e constitucional. Ninguém ensina com fome! Ninguém aprende se tem fome!

Não podemos fechar os olhos para esse cenário. O governo tem a responsabilidade de prover as condições para que a educação se efetive, em um processo de escolarização democrática para suas crianças, adolescentes e jovens.

Dessa forma, nós que já estivemos no lugar desses alunos, que sabemos da relevância do ensino médio para formação de cidadãos, e que hoje contribuímos com o pagamento de impostos para garantir que esses jovens tenham atendidas suas necessidades e garantidos seus direitos, exigimos que:

1 – o Governo do Estado de São Paulo se abstenha de usar a força policial para reprimir o direito dos estudantes a exercer sua cidadania;

2 – o Governo do Estado de São Paulo abra o diálogo com estudantes, pais e professores para discutir suas demandas;

3 – o Ministério Público do Estado de São Paulo, o Tribunal de Contas do Estado e demais órgãos de controle deem seguimento à Operação Alba Branca, investiguem e punam os responsáveis pelas fraudes na compra de merendas, cujos desvios chegam a casa dos milhões de reais;

4 – Que o Governador e autoridades do Estado de São Paulo cumpram com a palavra de interromper o processo de fechamento de salas de aula e realocação de alunos, concebido e executado de modo unilateral. E que tal processo seja legitimamente considerado, debatido e reformulado de maneira democrática e transparente, em consulta aos Estudantes, suas famílias, Professores e entidades comprometidas com a construção do direito à Educação de qualidade.

Assinam:

Alvaro Augusto Guedes Galvani – Diplomata, ex-aluno da ETESP turma de 1993 e Vice-presidente do “Grêmio Estudantil 28 de março” – gestão 1994

Ana Paula Serrata Malfitano – Professora da Universidade Federal de São Carlos, ex-aluna da ETESP turma de 1993 e Primeira-secretária do “Grêmio Estudantil 28 de março” – gestão 1994

Ana Tulia de Macedo – Assessora Parlamentar no Senado Federal, ex-aluna da ETESP turma de 1993 e Vice-presidente do “Grêmio Estudantil 28 de março” – gestão 1993

Cristiano Penna Rodrigues – Engenheiro de Computação, ex-aluno da ETESP turma de 1992 e Presidente do “Grêmio Estudantil 28 de março” – gestão 1993

Daniel Cara – Cientista Político, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, ex-aluno da ETESP turma de 1993 e Presidente do “Grêmio Estudantil 28 de março” – gestão 1994

Eliana Antonia Martins de Queiroz – Tecnóloga na Companhia do Metrô de São Paulo e ex-aluna da ETESP turma de 1993

Renê de Castro e Silva – Arquiteto na Prefeitura de São Paulo, ex-aluno da ETESP turma de 1993 e coordenador do curso de edificações do “Grêmio Estudantil 28 de março” – gestão 1994.