Blog do Daniel Cara

Arquivo : novembro 2015

Estudantes brasileiros custam 63% menos do que a média dos países da OCDE
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Daniel Cara

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) informou, na edição mais recente do seu relatório “Education at a glance”, que o Brasil é um dos países que menos investem em educação por aluno ao ano.

Quarenta e seis países foram analisados. Luxemburgo, Suíça e Noruega foram os que mais investiram. Na média, em 2012, os três países dispenderam, respectivamente, US$ 21.998, US$ 15.859 e US$ 15.393 por aluno ao ano. O Brasil dispendeu apenas US$ 3.441 por estudante da rede pública – considerando o ensino básico e o ensino superior. Esse montante corresponde a 37% da média dos 34 países que compõem a OCDE, que é de US$ 9.317. A OCDE é uma organização que envolve os países desenvolvidos.

Dito de outro modo, a educação dos estudantes brasileiros foi 63% mais barata do que a média do investimento por aluno ao ano verificada nos países mais riscos.

O dado é revelador. O indicador mais certeiro  sobre o investimento em educação é o custo por aluno ao ano. Ele determina quando custa a manutenção da matrícula dos estudantes das redes púbicas. Outros indicadores sobre financiamento educacional são importantes, mas não são capazes de retratar tão bem o problema. Os dois mais conhecidos são o investimento público em educação como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) ou o esforço orçamentário global.

Nesses dois últimos indicadores, comparativamente, o Brasil não investe pouco. Porém, como o país  mantém muitas matrículas (40 milhões apenas na educação básica), o custo por aluno ao ano no país é muito baixo. E corre o risco de ser menor, pois tem muita gente fora da escola (cerca de 3,8 milhões de brasileiros 4 a 17 anos) pelo Brasil afora e orçamento da educação não está subindo.

Assim, quando se trata do fundamental, que é o direito de cada criança, adolescente, jovem, adulto e idoso a uma educação pública de qualidade, o Brasil precisa avançar muito. E se aumentar o custo por aluno ao ano, a proporção do investimento público em educação frente ao PIB e a porcentagem do orçamento global em educação também devem ser maiores. Portanto, o alcance da meta de investimento equivalente a 10% do PIB depende e muito do aumento do custo por aluno ao ano.

CAQi

Para qualificar e incrementar o investimento por aluno ao ano, o PNE determina que até junho de 2016 o país implemente o Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi).

Criado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o CAQi é um mecanismo que determina quanto deve ser investido por aluno ao ano de cada etapa e modalidade da educação básica. Ele considera os custos de manutenção das creches, pré-escolas e escolas para que estes equipamentos garantam um padrão mínimo de qualidade para a educação básica.

Para realizar este cálculo, o CAQi determina um tamanho adequado para as turmas, propõe custos com formação, salários e carreira compatíveis com a responsabilidade dos profissionais da educação, além de demandar instalações, equipamentos e infraestrutura adequados, na forma de insumos como laboratórios, bibliotecas, quadras poliesportivas cobertas, materiais didáticos, entre outros. Enfim, o CAQi contempla as condições e os insumos materiais e humanos mínimos necessários para que os professores consigam ensinar e para que os alunos possam aprender.

Porém, para ser implementado, o CAQi exige maior participação do Governo Federal no investimento em educação, como estabelece – novamente – a Constituição Federal (parágrafo primeiro do artigo  211) e o próprio PNE (Estratégia 20.10). Segundo cálculos da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a efetivação do CAQi exige R$ 37 bilhões por ano.

Para isso virar realidade, é imprescindível uma revisão da política de ajuste fiscal, que tirou R$ 10,2 bilhões da educação nacional em 2015. Os cortes no setor da educação e os seus impactos negativos para a implementação do PNE estão inclusive destacados entre as principais preocupações oficiais apresentadas ao Governo Brasileiro pelo Comitê sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU) – órgão máximo de monitoramento dos direitos das crianças e dos adolescentes no mundo.

A ONU foi alertada sobre os possíveis riscos do ajuste fiscal para garantia dos direitos educacionais pela rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, por meio de uma ação de incidência política em Genebra.


Fechamento de escolas: agressão ao direito à educação
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Daniel Cara

Em São Paulo, Geraldo Alckmin propõe fechar 94 escolas. No Brasil, mais de 37 mil escolas do campo foram fechadas. O fechamento de escolas está virando política de Estado no país, em grave desrespeito ao direito constitucional à educação.

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O Brasil tem acompanhado a tentativa de fechamento de 94 escolas públicas no Estado de São Paulo. Afirmando a necessidade de reorganizar o ensino paulista, o governador Geraldo Alckmin e seu secretário de educação, Herman Voorwald, buscam elaborar argumentos pedagógicos para justificar o injustificável: fechar escolas. O objetivo evidente é reduzir custos, sem melhorar a qualidade do ensino.

As faculdades de educação da USP e da Unicamp já manifestaram repúdio à medida. O manifesto da USP ressalta que a proposta do governo estadual busca estabelecer uma nova etapa na transferência de responsabilidades educacionais do governo paulista aos municípios.

O texto crava: durante “a passagem de 1995 para 1996, o processo de reorganização [estadual] provocou o fechamento de 150 escolas, com a diminuição de 10.014 classes. E, entre 1995 e 1998, a rede estadual diminuiu 376.230 alunos atendidos com um decréscimo de 5,61%, enquanto as redes municipais aumentaram para 841.860 atendimentos, crescendo quase 60%. Tais medidas, como sabemos, não promoveram a melhoria da escola pública estadual, de suas condições de ensino e trabalho”.

Além de fechar as 94 escolas, a atual proposta de “reorganização” do ensino atingirá mais de 1500 estabelecimentos, prejudicando estudantes e suas famílias, além de milhares de profissionais da educação.

Graças à mobilização e resistência dos estudantes, a reforma está travada. Hoje eles ocupam cerca de 60 estabelecimentos. A Secretaria de Estado da Educação de São Paulo não confirma o número, mas também não o contraria de modo enfático. É provável (e desejável) que mais escolas sejam ocupadas nos próximos dias. Com isso, a sociedade paulista terá a chance de decidir se aceita ou não a medida.

E o problema não está circunscrito apenas a São Paulo. Analisando o quadro nacional, é possível dizer que o fechamento de escolas está se tornando uma política de Estado no Brasil, não sendo um demérito exclusivo do governador Geraldo Alckmin. Nos últimos 15 anos, mais de 37 mil escolas do campo foram fechadas. Apenas em 2014, segundo análise do Censo Escolar produzida pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), 4 mil escolas do campo foram fechadas. A Bahia (872 unidades), o Maranhão (407) e o Piauí (377) lideraram o fechamento de escolas nas áreas rurais em 2014.

Em nome de uma suposta racionalização, parte significativa da gestão pública brasileira tem errado ao colocar a redução de custos antes do objetivo primordial dos governos: a promoção dos direitos sociais e, nesse caso, do direito à educação.

No clássico “Administração escolar: introdução crítica”, Vitor Henrique Paro defende que a administração é, em seu conceito geral, a utilização racional de recursos para o atingimento de determinados fins. Contudo, ele lembra que os fins das políticas de educação são educacionais e pedagógicos. A gestão dos recursos, portanto, deve ser coerente com essa finalidade.

Se o governador Geraldo Alckmin quer racionalizar o ensino paulista poderia ampliar a educação em tempo integral, aumentar o número de concursos públicos para ingresso no magistério, valorizar os profissionais da educação e melhorar a infraestrutura das escolas. São Paulo não deve fechar escolas, deve aprimorar e fazer melhor uso dos estabelecimentos existentes. É o que querem os estudantes. Deveria ser a vontade de todos.


Rio Doce e Paris: não cabe discutir qual foi a maior atrocidade
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Daniel Cara

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Inúmeros brasileiros questionam nas redes sociais a superexposição dos atos terroristas, ocorridos ontem (13/11) em Paris, em detrimento da problematização do crime socioambiental acontecido no Rio Doce (05/11), em Minas Gerais, com o rompimento das barragens de Fundão e Santarém, na unidade industrial de Germano, entre distritos dos municípios de Mariana e Ouro Preto.

Ambos foram lamentáveis e devem ser discutidos, em profundidade, na opinião pública. E é preciso punir os culpados.

Ainda são incalculáveis os efeitos socioeconômicos e ambientais da lama tóxica que vazou das barragens e cimenta o Rio Doce. É urgente a consequente responsabilização da empresa Samarco, controlada pela Companhia do Vale do Rio Doce e pela anglo-australiana BHP Billiton. Nenhum valor monetário é capaz de ressarcir a destruição de um ecossistema. Ainda mais se for considerada a letargia dos governantes no enfrentamento da questão.

Ao mesmo tempo, nada justifica os atos covardes praticados pelo Estado Islâmico em Paris. O fato é que ontem o terrorismo assassinou inúmeros cidadãos inocentes. E a tendência é de que eventos semelhantes continuem ocorrendo. Na prática, o Estado Islâmico declarou guerra ao mundo, ocidental e oriental. Está em risco qualquer um que não coadune com os preceitos arcaicos e preconceituosos da organização. Aliás, nenhum preceito – arcaico ou moderno – pode ser imposto pela força.

As atrocidades cometidas pelos Estados Unidos da América e outros países ocidentais no Oriente Médio não se justificam, tanto quanto os atos de terror.

A banalização do crime e do mal é inaceitável e deve ser repudiada. Embora avanços inegáveis no campo dos Direitos Humanos – ainda que em risco no Brasil e no mundo –, ela reside no seio da humanidade. Enfrentá-la deve ser uma missão de todas as nações e indivíduos. A educação tem um papel relevante nesse processo.


Pnad 2014: o Brasil não deve cumprir metas do PNE
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Daniel Cara

São preocupantes os dados educacionais colhidos na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada pelo IBGE. Mantidas as tendências das diferentes taxas de escolarização, o Brasil não deve cumprir com metas urgentes do Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), do programa internacional Educação Para Todos (2000-2015) e com as demandas da Constituição Federal.

Segundo a Carta Magna e o PNE, até 2016, o país precisa universalizar a matrícula da população entre 4 e 17 anos. Na pré-escola, a taxa de escolarização é de 82,7% da população entre 4 e 5 anos. Em 2013, era de 81,4%. Houve avanço, porém ele foi muito pequeno. E o pior: a tendência é ruim.

Para o cumprimento da meta de educação infantil do PNE e da demanda constitucional, entre 2015 e 2016, o país precisa criar cerca de 1 milhão de matrículas para crianças de 4 a 5 anos. Considerado o contexto, isso é praticamente impossível. Ainda mais se forem contabilizados os prejuízos decorrentes do corte orçamentário de R$ 3,4 bilhões, empreendido nesse ano, sobre programas do governo federal dedicados à construção de equipamentos de educação infantil, em convênio com municípios.

Dos 15 aos 17 anos, em 2014, a taxa de escolarização foi de 84,3% da população nesta faixa-etária. Será preciso criar, novamente, mais de 1,5 milhão de matrículas. O que reforça a tendência de descumprimento de metas do PNE relativas à etapas do ensino fundamental e ensino médio.

Conforme compromissos firmados no programa internacional Educação para Todos (EPT) e, novamente, no PNE, o país deveria ter 93,5% de sua população alfabetizada até 2015. Em 2014, 91,7% das pessoas com 15 anos ou mais eram alfabetizadas. Como a taxa de alfabetização melhorou apenas 0,3% entre 2013 e o ano passado, a tendência – mais um vez – é de descumprimento da meta de Educação de Jovens e Adultos do PNE, além do Brasil não cumprir com a referida meta do EPT. Em 2014, 13,2 milhões dos jovens e adultos brasileiros eram analfabetos.

Ao observar esses dados, a sociedade brasileira não pode cometer o erro de pensar apenas no descumprimento de metas e compromissos legais. É preciso ter consciência de que o direito à educação de milhões de crianças, adolescentes, jovens e adultos está sendo desrespeitado. Ademais, os dados refletem um fato inconteste e vergonhoso: o Brasil está distante de priorizar e compreender a relevância da educação. É urgente a necessidade de mudar esse quadro.


Países aprovam marco de ação para a educação global
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Daniel Cara

PARIS – Os Estados Nacionais acabaram de aprovar, durante a 38ª. Conferência Geral da Unesco, realizada em Paris, o Marco de Ação para o programa “Educação 2030”.

O documento determina uma arquitetura mundial para a avaliação e o monitoramento das metas globais para a educação no período compreendido entre 2015 e 2030.

A base do texto é a Declaração de Incheon, consagrada em maio de 2015 durante o Fórum Mundial de Educação, realizado na Coréia do Sul. Ela estabelece sete metas globais para a área.

Clique e conheça a Declaração de Incheon traduzida para o português

A Declaração de Incheon traduz o acordo da comunidade internacional em torno das políticas educacionais. Os avanços do texto foram fruto do protagonismo da sociedade civil, capitaneada pela Campanha Global pela Educação e pela Internacional da Educação – que reúne os sindicatos dos professores ao redor do mundo. Ambas as organizações contaram com o apoio dos países do Grulac (América Latina e Caribe). A principal queda de braço se deu com o grupo anglo-saxão – liderado pela delegação dos Estados Unidos (EUA) –, e que contou com forte adesão de países da União Européia, além do Japão e de outros países asiáticos.

Metas – Entre as sete metas definidas estão a educação primária e secundária pública e gratuita de, no mínimo, 12 anos – com 9 anos de educação compulsória. Há ainda a exigência para a oferta de educação infantil gratuita.

A principal polêmica esteve relacionada exatamente à gratuidade e à oferta pública do ensino. Alguns países liderados pelo bloco anglo-saxão, em conjunto com o setor privado da área, mobilizado por fundações empresariais, queriam permitir parcerias público-privadas viabilizadas pela cobrança ou compra de matrículas. Não foram vitoriosos, porém sua influência sobre os organismos internacionais está em ascensão.

Direito à aprendizagem – Embora tenham sido derrotados no âmbito da oferta educacional, as fundações empresariais e o bloco anglo-saxão conseguiram fazer avançar a agenda do “direito à aprendizagem” em detrimento do direito à educação. E persistirão nessa agenda.

Embora o aprendizado seja o objetivo central da ação educativa, devendo ser o compromisso essencial dos educadores, alça-la à condição de direito resulta no enfraquecimento do processo de ensino-aprendizagem, especialmente no âmbito da valorização docente.

Seus defensores pressupõem que o aprendizado deve ser alcançado de qualquer modo, sem considerar como primordial as condições das escolas e o respeito à profissão do magistério. Os resultados práticos dessa compreensão ao redor do mundo são pífios. Nas últimas semanas, contrariando a posição das fundações empresariais estadunidenses, o presidente Barack Obama tem feito críticas duras à essa perspectiva o que é animador.

Diante desse conflito, a decisão sobre os indicadores do “marco de ação” ficou para março de 2016. Em jogo está a predominância ou não de testes padronizados de larga escala como meio de aferição das metas globais. Haverá ainda uma longa disputa em curso.

Brasil – O Brasil está representado em Paris por uma delegação chefiada pelo Ministro de Estado da Educação, Aloizio Mercadante. Em Incheon foi representado por uma delegação plural, liderada pelo então titular da pasta, Renato Janine Ribeiro.

Integrei a delegação oficial em Incheon, como representante da sociedade civil brasileira. Em Paris integro a delegação da Campanha Latino-americana pelo Direito à Educação, no âmbito da Campanha Global pela Educação. Estou acompanhado de Carlos Eduardo Sanches, membro – como eu – da Campanha Nacional pelo Direito à Educação do Brasil.


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