Agenda Brasil: a educação pública não está bem, mas pode ficar pior
Daniel Cara
Em 1994, Fernando Henrique Cardoso criou o “Fundo Social de Emergência”. Embora o nome pudesse sugerir algo positivo – um fundo de emergência para a área social, por exemplo –, a medida extraía 20% dos recursos constitucionais dedicados ao financiamento de direitos, como a educação. Naquele momento, a grande imprensa e quase todos os agentes econômicos brasileiros apoiaram a medida. O argumento era a sustentabilidade do Plano Real. Desde então, o mecanismo permanece vivo. Em 2000 ganhou o nome de Desvinculação de Receitas da União (DRU).
Em 2009, uma das mais importantes ações de Lula foi sustentar o fim da incidência da DRU na educação, em apoio à pressão da comunidade educacional. Para não desequilibrar as contas públicas, foi negociada uma revinculação gradativa até 2011. Desde 1994, a área perdeu cerca de R$ 80 bilhões com o mecanismo. Contudo, a incidência da DRU para as políticas públicas educacionais nunca esteve tão próxima de retornar.
Nos últimos dias, o tema foi retomado. Deve-se à “Agenda Brasil” – ou a “Agenda Renan” – o retrocesso. Ele consta nas entrelinhas da proposta. As conquistas da Constituição Federal de 1988 sempre incomodaram parte da elite econômica brasileira. A Carta Magna deu centralidade aos direitos sociais e determinou que parte deles, como é o caso da educação, seja financiada por vinculações obrigatórias de receitas tributárias. O Governo Federal deve investir 18% dos impostos que arrecada na área. Estados e Municípios 25% de todas suas receitas.
Muitos encaram isso como injusta imposição. O argumento mais repetido pelos adversários das vinculações constitucionais é uma suposta liberdade que os governos devem ter na implementação de sua agenda. Quando mais sinceros, alguns chegam a assumir que um dos principais compromissos de um governante deve ser o pagamento de dívidas – estabelecidas em contratos muitas vezes injustos; porém, isso não importa.
Desconheço alguma prioridade pública superior à garantia de direitos fundamentais como a educação e saúde. Também discordo da concessão de liberdade total aos gestores, considerando a tradição de descontinuidade, corrupção e permissividade que marca a administração pública brasileira.
Mas a verdade é que o tema avança, quase sem constrangimento. E o pior, com o recrudescimento da crise econômica, a ideia vai ganhando corpo e novos defensores. O dramático é que as vinculações constitucionais são imprescindíveis, porém insuficientes para universalizar o direito à educação básica pública com qualidade. É preciso mais recurso, especialmente para remunerar de maneira condigna os profissionais do magistério.
Diante da crise econômica, membros do governo federal já defendem a necessidade de criar meios para cortar despesas obrigatórias. Joaquim Levy tem sido o fiador da proposta. Por sorte, não se trata de voz onipresente na Esplanada dos Ministérios. Ainda assim, é preciso que seus colegas saiam do conforto dos bastidores e se manifestem em público, especialmente os titulares das pastas sociais – estranhamente, os mais silenciosos do Planalto Central.
Se não bastasse o ajuste fiscal recessivo, que diminui a renda da população e asfixia a manutenção de postos de trabalho, o povo ainda corre o risco de perder serviços públicos existentes – mesmo sendo de baixa qualidade.
Muitos analistas defendem que a ''Agenda Renan'' é uma espuma, uma forma de tirar o foco da crise política. Outros apostam que ela nunca prosperará, devido à fragmentação partidária no Poder Legislativo Federal. O que se sabe é que ela manifesta o interesse de setores poderosos da sociedade, que já não demonstram vergonha em defender a secundarização dos direitos sociais. Para eles, é preciso defender a todo custo a política de ajuste fiscal em vigor, que favorece essencialmente o mercado financeiro. Não importa se a implementação do programa econômico de Joaquim Levy resulte em um grave refluxo de conquistas constitucionais, obtidas com muito esforço em 1988.
Por prudência, é fundamental que os cidadãos e os movimentos sociais pressionem, desde já, o Governo Federal e o Congresso Nacional para que não patrocinem e permitam tão grave retrocesso. Caso contrário, o Brasil ficará ainda mais distante de ofertar educação pública de qualidade. Aliás, muito mais distante do que se encontra hoje.
O risco é do país andar para trás. Ao que parece, já está andando.