Blog do Daniel Cara

Arquivo : julho 2015

Subterfúgios para evitar o cumprimento da Lei do Piso e da LDB
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Daniel Cara

Pelo Brasil afora, alguns governadores e prefeitos buscam meios para subcontratar educadores. Como sempre, o prejuízo é dos estudantes. Nos últimos dias chama a atenção os casos de Foz do Iguaçu e Palmas.

Na educação infantil é mais comum o descumprimento da LDB

O equívoco é mais recorrente na educação infantil. Para evitar concursos públicos de professores para creches e pré-escolas, algumas prefeituras realizam processos seletivos para “auxiliares de educação infantil”, “agentes auxiliares de creche” e outras nomenclaturas. Como formação, é exigida escolaridade em ensino fundamental.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) é clara. No primeiro inciso do artigo 61 afirma que os professores devem ser habilitados em “nível médio ou superior”. Ou seja, não cabe concurso de educadores, com as mesmas tarefas e atribuições de docentes, mas tendo o ensino fundamental como exigência de formação. O resultado é que esses profissionais não recebem o piso do magistério, que hoje é de R$ 1.917,78 para uma jornada de 40 horas, não participam de processos de formação continuada e não tem progressão de carreira. Insisto: quem mais perde são os estudantes, que merecem professores com boa formação e horizonte de carreira. E isso é o mínimo necessário.

Articulados e pautados pela LDB, os “agentes auxiliares de creche” de municípios dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco e Paraná pressionam pela regularização de sua carreira e condições de trabalho. E essa justa mobilização vai ganhando todo o Brasil.

Foz do Iguaçu

Ontem, 14 de julho, em Foz do Iguaçu, os vereadores rejeitaram por unanimidade um projeto que previa um cargo de educador com formação em ensino fundamental como subterfúgio para a subcontratação docente na educação infantil. A vitória foi de todo o município.

O caso de Palmas

Porém, não é só na educação infantil que reside o problema. Em Palmas (TO), o prefeito Carlos Enrique Franco Amastha (PP), sancionou a Lei do Programa Educacional Salas Integradas, publicada no Diário Oficial da cidade em 3 de julho. A princípio, o objetivo é ampliar as oportunidades de educação em tempo integral. Porém, ao observar as atribuições do “monitor de desenvolvimento infantil” e do “monitor de atividade de jornada ampliada de nível 1”, fica patente que são tarefas de professores.

A contratação de ambos os profissionais será feita por “processo seletivo simplificado”, em condição temporária. Como justificativa é argumentado o “excepcional interesse público”. A remuneração será de R$ 1.000,00 por jornada de 40 horas semanais. Ou seja, muito menos do que o piso do magistério.

Não é aceitável burlar a Lei do Piso e a LDB

Não há dúvida de que as prefeituras possuem dificuldades arrecadatórias, em uma crise que se intensifica desde 2012. Também é fato de que a Lei de Responsabilidade Fiscal coíbe o investimento em educação, na medida de que inviabiliza a valorização dos profissionais da área – e isso precisa mudar. Contudo, os estudantes não podem ter seu aprendizado prejudicado pela subcontratação de educadores.

O país precisa superar sua velha toada nas políticas públicas educacionais: aqui, a imprescindível democratização do acesso à educação é sempre desacompanhada da mínima preocupação com a qualidade. O Brasil precisa compreender: o aprendizado dos estudantes depende da valorização de quem ensina. E quem ensina são os profissionais da educação que devem ser devidamente habilitados e condignamente remunerados.

Mas isso não é o pior. O fato é que o valor do piso já é baixo demais para ser driblado. Portanto, é preciso impedir o avanço desse tipo de proposta, que deve ser imediatamente revogada em Palmas.

As crianças e adolescentes merecem professores com a formação adequada, contratados por concursos públicos pautados pela LDB e com respeito à Lei do Piso. E vale ressaltar: isso é o mínimo, é obrigação, não pode ser encarado como favor ou mérito dos governantes.


O Governo, o Congresso e o futuro da educação
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Daniel Cara

Desde que o Ibope cravou em 9% a aprovação do governo Dilma Rousseff, aumentaram as notícias sobre seu risco de queda. Os primeiros efeitos da crise econômica e arrecadatória chegaram, começando a corroer primeiro as condições de vida das classes E, D e C. Como política de redução de danos, ontem foi lançado o Plano de Proteção ao Emprego (PPE), uma espécie de analgésico necessário às implicações do ajuste fiscal promovido pelo Ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

Embora a queda da economia seja o fator estrutural, sufocando um governo eleito por uma narrativa essencialmente fundamentada na expansão do consumo, os vazamentos seletivos da Operação Lava Jato, o julgamento das chamadas “pedaladas fiscais” no Tribunal de Contas da União e as sucessivas derrotas no parlamento deixam o Palácio do Planalto paralisado, evidenciando sua baixa resiliência.

A correlação de forças no Congresso Nacional

No Congresso Nacional, principalmente na Câmara dos Deputados, a situação é grave. Se a política fosse uma luta de boxe, Dilma e seu gabinete estariam nas cordas. Entre os analistas políticos (seriam apostadores?), o cálculo reside em tentar prever se a derrota será por pontos, com a presidenta completando seu mandato legal e legítimo, conquistado nas urnas, ou por nocaute. Quase ninguém considera uma virada.

Uma leitura cuidadosa da Câmara dos Deputados e das votações da semana passada desnuda o cenário. Derrotado nos primeiros minutos do dia primeiro de julho, o presidente da Casa, Eduardo Cunha, provou que é capaz de empreender qualquer manobra regimental para alcançar seus objetivos. E faz isso sem qualquer receio de desgaste perante a opinião pública.

Não é esse, porém, o recado principal. Ao forçar, em poucas horas, um segundo processo deliberativo, em uma espécie de tapetão parlamentar, Cunha e seus apoiadores provaram a extensão de sua força.

Como qualquer proposta de emenda à Constituição, a que busca reduzir a idade penal de 18 para 16 anos para crimes hediondos, exigia 308 votos favoráveis. Na primeira votação o placar apontou 303 votos, uma soma insuficiente. Porém, em uma segunda e controversa votação, o total foi de 323 votos. Ou seja, Eduardo Cunha consegue acumular a soma necessária para os projetos que exigem maioria qualificada.

O Sistema Nacional de Educação, a maioria qualificada e o futuro da educação

Por demanda da Constituição Federal e da Lei 13.005/2014, que estabelece o Plano Nacional de Educação (PNE), o Congresso tem que aprovar até 24 de junho de 2016 a Lei do Sistema Nacional de Educação (SNE).

A distribuição de recursos federativos do SNE deve estar pautada, em primeiro lugar, pelo mecanismo do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e, depois, pelo mecanismo do Custo Aluno-Qualidade. Caberá à União, na figura do Poder Executivo Federal, complementar os recursos necessários para Estados e Municípios viabilizarem tanto um quanto outro. No mínimo, isso deve significar R$ 37 bilhões a mais, por ano, de transferências federais obrigatórias para os governos estaduais e municipais.

Por ser demandado pela Constituição Federal e por enfrentar os nós do pacto federativo, o SNE deve ser regulamentado por legislação complementar. Ou seja, para ser aprovado, exige maioria qualificada. Isso significa dois terços dos votos dos parlamentares da Câmara dos Deputados (308 votos) e dois terços dos votos do Senado Federal (54 votos).

Se o SNE não for instituído, dificilmente o PNE terá sucesso. Um dos problemas centrais da educação nacional é a falta de organicidade de ações entre o Governo Federal, os governos estaduais e os governos municipais. Os resultados acumulados pelo Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado por Fernando Haddad em 2007, comprovaram duas coisas: primeiro, os programas do Ministério da Educação (MEC) são importantes e podem ser (muito!) melhorados. Segundo: por melhor que sejam, jamais serão capazes de estruturar uma política nacional de educação.

O SNE, organizado com o objetivo de cumprir as metas e estratégias dos PNEs – conforme estabelece o artigo 214 da Constituição Federal –, é o melhor caminho para colocar as ações de todos os entes federados no mesmo trilho, com justiça federativa. Com isso, o Governo Federal deverá fazer um esforço financeiro em educação básica pública equivalente à sua capacidade arrecadatória, muito maior do que o bolo tributário acumulado pela soma arrecadada pelos 5569 municípios, 26 Estados e o Distrito Federal.

Lula e Dilma tiveram a oportunidade, mas não enfrentaram a agenda

Durante os dois mandatos de Lula e o primeiro mandato de Dilma, quando o Palácio do Planalto contou com um capital político sólido, a justiça federativa em matéria educacional não avançou. E para instituí-la não era preciso esperar a aprovação do PNE 2014-2024, atualmente em vigor. Extremamente popular, Lula sequer cogitou derrubar os vetos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao PNE anterior, que vigorou entre 2001 e 2010. Como resultado, o primeiro plano educacional pós-redemocratização teve apenas um terço de suas metas cumpridas. O PNE atual não pode ter o mesmo resultado, sob o risco de o Brasil permanecer com muitas crianças, adolescentes e jovens fora da escola, além de manter matrículas que não propiciam um aprendizado significativo aos alunos.

O tempo corre e o PNE não avança na medida do necessário

Após uma extenuante e conflituosa tramitação, Dilma sancionou sem vetos o PNE 2014-2024, o segundo desde 1988. Mas completado um ano de vigência, muito pouco foi feito – e nada na medida do necessário!

Ao invés de se dedicar ao cumprimento da Lei 13.005/2014, expandindo matrículas, qualificando a educação básica e debatendo alternativas para a boa implementação de cada um dos dispositivos do plano, o Brasil passou o primeiro semestre de 2015 debruçado sobre o texto “Pátria Educadora”, redigido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) de Mangabeira Unger. O PNE, único plano educacional aprovado por todos os partidos e construído com forte participação da sociedade civil, foi escanteado pelo Palácio do Planalto no nível federal.

Com o governo cambaleante, o futuro do SNE e – por consequência do PNE – deve ser decidido em breve pelo Congresso Nacional. Renan Calheiros, Eduardo Cunha e suas maiorias parlamentares serão atores centrais. Apenas a pressão social e uma extensa repercussão pública, fundamentadas em bons argumentos técnicos, convencerão uma ampla maioria parlamentar a instituir um Sistema Nacional de Educação condizente com as necessidades e demandas do Brasil. A comunidade educacional precisa estar preparada para fazer valer sua posição. Não será fácil.


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