Na possível falta de diálogo entre a SAE e o MEC, deve prevalecer o PNE
Daniel Cara
Em duas semanas, o Plano Nacional de Educação completará 1 ano de vigência. Vencerá o prazo para a realização de diversos dispositivos da Lei, mas pouco se avançou…
Não é raro por aqui, mas o debate educacional brasileiro se encontra, mais uma vez, em um lugar distante de tratar dos problemas da área.
Circulando pelo país e conversando com as pessoas é significativo o impacto do documento “Pátria educadora: a qualificação do ensino básico como obra de construção nacional”, redigido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE), chefiada pelo Ministro Roberto Mangabeira Unger.
Por inúmeros motivos, o texto gerou contrariedade entre os membros da comunidade educacional. O documento foi capaz de organizar um discurso disperso e com o qual tenho discordância (já expressa aqui). Isso não é, necessariamente, um mérito, mas torna as posições mais claras no debate. Se isso não é algo positivo, pelo menos permite a franqueza nas discussões.
No entanto, distante de questões de conteúdo, uma das críticas mais recebidas pela iniciativa da SAE é o fato de que o Ministério da Educação não foi ouvido. Em menos de um mês, estive três vezes com o Ministro Mangabeira. Duas em eventos públicos, uma em seu escritório. Independentemente de sua visão, ele estuda a área e não foge de perguntas. Questionei diretamente esse ponto. Tanto ele como seus assessores reiteram que a encomenda é da presidenta Dilma Rousseff – ou seja, está acima de qualquer pasta. Além disso, insistem: todo o texto tinha sido debatido e acordado com Cid Gomes, ex-Ministro da Educação.
Por decorrência, é nesse momento que entra em jogo outro elemento. Por que o texto não foi debatido com o atual Ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro? Mangabeira argumenta que não deu tempo, pois as agendas não coincidiram.
Bem abordada na coluna de Antonio Gois, publicada na última segunda-feira (8/junho) no diário “O Globo”, esse fato é certamente desconfortável. Dois ministros de um mesmo governo discutem, em perspectivas aparentemente distintas, o mesmo tema: a educação nacional. Segundo informações palacianas, isso pode ser resolvido em um encontro entre os dois, que ocorre nesta semana. Provavelmente, tenha ocorrido ontem (9/junho).
No entanto, por mais que seja necessário o entrosamento dentro da equipe ministerial, a falta de diálogo entre as duas pastas, ou seus titulares, não é algo que deveria tomar tanto a atenção pública. O problema maior é que em poucas semanas serão encerrados os prazos de alguns dispositivos fundamentais do Plano Nacional de Educação (PNE), que completará um ano de vigência.
O Brasil tem debatido o texto de Mangabeira Unger, tem criticado uma possível distância entre Janine e Mangabeira, mas dá pouca atenção ao fato de que o plano educacional verdadeiramente de Estado, debatido por quase quatro anos no Congresso Nacional e com intensa participação da sociedade civil, está em risco. E trata-se de uma Lei (Lei 13.005/2014). E essa tendência fica ainda mais evidente em um cenário inóspito de crise econômica e acirramento político.
Mangabeira diz que o PNE é uma lei arcabouço, Janine manifestou ao jornal Valor Econômico (2/junho) que a ''Pátria Educadora'' de Dilma é ''a carne para o osso do PNE''. Contudo, quase nada é dito sobre as tarefas necessárias para o cumprimento do plano. E é isso o que deve verdadeiramente preocupar a sociedade brasileira e os governos federal, estaduais, distrital e municipais.
Desafios verdadeiramente urgentes
É praticamente certo que não seremos capazes de elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015, como determina a meta 9 do PNE. Teremos muita dificuldade para criar mais de 2 milhões de matrículas até junho de 2016, com o objetivo de garantir a obrigatoriedade do ensino para todos os brasileiros com idade entre 4 e 17 anos, como abordam as metas 1, 2 e 3 do plano e exige a Emenda à Constituição 59/2009.
O Governo Federal ainda patina em sua obrigação de implementar o mecanismo do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), com prazo máximo até junho de 2016. E o pior: devido a assessores e conselheiros ruins, insiste em não convocar a sociedade civil e pesquisadores para a tarefa – há poucos dias implantou um grupo de trabalho interno, em discordância com deliberações da Conae-2014 (Conferência Nacional de Educação). O Brasil também não terá nas duas próximas semanas uma Lei de Responsabilidade Educacional, especialmente uma boa, que não seja cópia das experiências malsucedidas nos EUA e em outros países de matriz anglo-saxã.
Além disso tudo, poucos estados e municípios criarão planos de educação verdadeiramente participativos nas próximas semanas. Em parte porque se optou por substituir o estabelecimento de fóruns de educação por comissões burocráticas. O dramático é que os planos estaduais e municipais são centrais para o sucesso do PNE.
Também não se sabe ao certo qual será a política nacional de formação dos profissionais da educação, embora o intenso e competente trabalho liderado pelo Prof. Luiz Dourado acerca das “Diretrizes curriculares para a formação inicial e continuada dos profissionais do magistério da educação básica”, realizado no âmbito do Conselho Nacional de Educação. Isso colabora, em grande parte, para a resolução da meta 15 do PNE. Mas ela não deverá ser cumprida em sua integralidade. E o prazo dela é 24 de junho de 2015.
Essas são as questões fundamentais para a agenda educacional. E mais do que ter ansiedade pelas respostas, a comunidade educacional está disposta a buscar e propor soluções aos desafios determinados pelo PNE, em interlocução com os governos. A crítica é certamente necessária. Mas tanto quanto ela é preciso construir coletivamente alternativas.
Na semana em que o PNE completa um ano (21 a 27/junho), a rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação promoverá a Semana de Ação Mundial 2015, com o mote “Vamos tirar as metas do papel”. Ela trará um diálogo entre as metas internacionais da educação e as metas do PNE. Em termos educacionais, não há dúvida de que esta é a questão mais relevante para o país no momento. Também é um enorme desafio, que deve mobilizar a todos e todas.