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Inep de Temer censura novo modelo de avaliação, previsto na Lei do PNE
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Daniel Cara

A atual direção do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) erra no atacado, mas também demonstra sua visão de administração pública, ao retirar do ar um texto que dava subsídios técnicos e administrativos à instituição do Sistema Nacional de Avaliação da Educação (Sinaeb). O artigo censurado foi assinado por três pesquisadores da Casa: Alexandre André dos Santos, João Luiz Horta Neto e Rogério Diniz Junqueira.

(Leia aqui matéria do diário Folha de S. Paulo, escrita por Paulo Saldaña).

O Sinaeb é demandado pelo artigo 11 da Lei 13.005/2014, que estabelece o Plano Nacional de Educação 2014-2024 (PNE). Ele é fruto de uma emenda apresentada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação durante a tramitação do plano, mas bastante aperfeiçoada pelo Cedes. O Cedes (Centro de Estudos Educação e Sociedade) é uma entidade científica dedicada à educação e às políticas educacionais, sediada na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), com abrangência nacional.

Após dois anos de debates envolvendo a sociedade civil e especialistas, o Sinaeb foi regulamentado pela Portaria MEC nº 369, de 5 de maio de 2016. Condizente com o disposto na Lei do PNE, o Sinaeb – com a missão de articular os esforços avaliativos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios – iria tanto utilizar e produzir informações a partir de indicadores de rendimento escolar (referente ao desempenho dos estudantes apurado em exames nacionais já existentes e novos), como também empreenderia processos inovadores de avaliação institucional, que levanta dados relativos a características como perfil e condições de vida do alunado, de suas famílias e dos profissionais da educação, bem como as condições de oferta da educação, dados sobre o entorno das escolas, entre outros fatores e variáveis que influenciam o processo de ensino-aprendizagem.

Coerente e eficaz, esse sistema buscava aproveitar e aperfeiçoar projetos até então desenvolvidos pelo Inep, como a Anei (Avaliação Nacional da Educação Infantil), que tinha como objetivo realizar diagnósticos sobre as condições de oferta da educação infantil pelos sistemas de ensino público e privado do país.

Ou seja, o Sinaeb nasce como uma demanda da sociedade civil, consciente da necessidade de uma avaliação educacional capaz de incorporar, mas também superar, a incompletude das avaliações de larga escala, descontextualizadas e mal utilizadas pelo Brasil afora. O objetivo era avaliar mais e melhor a educação básica, dando subsídios reais e adequados para o enfrentamento dos seus gargalos.

É preciso reiterar: aprovado pelo Parlamento como parte do PNE, o novo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica – uma espécie de correspondente aperfeiçoado do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) – não jogava nada fora. Muito pelo contrário, incorporava o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), a Prova Brasil e demais avaliações já existentes, porém avançava: fornecendo elementos concretos e objetivos para corrigir os rumos das políticas educacionais. E esse era o seu ineditismo e valor.

A governança do Sinaeb era colegiada, envolvendo representantes da sociedade civil e gestores de educação. Reunidos em um Comitê, eles teriam a responsabilidade de propor recomendações, acompanhar e supervisionar a implantação do Sinaeb.

Essa comissão, corretamente presidida pelo Inep, teria atribuições importantíssimas, como a articulação com os sistemas estaduais, distrital e municipais de ensino, realizando a apreciação dos procedimentos relativos às avaliações feitas pelo instituto dentro de cada um desses sistemas, bem como articular as iniciativas de avaliação empreendidas por cada uma das gestões locais com as avaliações nacionais. O comitê também tinha a prerrogativa de constituir comissões de assessoramento e grupos de trabalho para prestar assessoria e aprofundar temas específicos.

O Sinaeb representava um enorme avanço, mas durou pouco. Em 26 de agosto de 2016, o Ministério da Educação de Michel Temer (PMDB-SP), encabeçado por Mendonça Filho (DEM-PE) e por Maria Helena Guimarães de Castro (PSDB-SP), tendo o Inep presidido por Maria Inês Fini (PSDB-SP), publicou no Diário Oficial da União a Portaria 981, de 26 de agosto de 2016, revogando sem quaisquer debates toda a avançada regulamentação do Sistema.

Daquilo que veio a público, esse foi o primeiro ato autoritário contra um novo, mais democrático, mais sensível, mais eficaz e mais aperfeiçoado modelo de avaliação da educação básica, condizente com as demandas de uma área que patina em termos de expansão de matrículas e oferta de qualidade. O segundo foi agora, com a censura ao artigo científico de três pesquisadores do Inep.

Infelizmente, mas nada surpreendente, é o incomodo do Governo Temer com uma avaliação educacional mais aprofundada, preocupada em corrigir rumos das políticas educacionais, superando o modelo atual que não aborda questões centrais, como o subfinanciamento da educação e tem servido, essencialmente, à culpabilização dos professores e dos gestores estaduais e municipais de educação.

Nesse sentido, nunca é ocioso lembrar que essa censura ao Sinaeb foi empreendida pela mesma gestão que divulgou dois documentos distintos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Um que continha os temas de “identidade de gênero” e “orientação sexual”, divulgado para a sociedade civil e jornalistas; e outro, oficial, entregue ao Conselho Nacional de Educação, que excluía os dois temas por pressão dos setores ultraconservadores e fundamentalistas das igrejas neopentecostais, que se reuniram com a atual gestão do MEC antes da divulgação do texto. Até o momento não sabe se esse triste ato foi fruto de mera incompetência ou de falta de coragem de se cumprir com a Constituição Federal de 1988 – que obriga o enfrentamento do obscurantismo e exige o tratamento cidadão das questões de gênero e identidade sexual não apenas nas escolas, mas em quaisquer espaços públicos – geridos ou não pelo Estado.

Ao praticar a censura do artigo, após revogar a Portaria do Sinaeb, a atual gestão do Inep demonstra sua dificuldade em lidar com o pensamento divergente, com uma proposta de avaliação que é mais ampla do que o modelo atual, com a gestão democrática e com a própria Lei, pois o Sinaeb é uma demanda objetiva do PNE 2014-2024. E isso não é pouco, pois sob o legado da Lei e do Estado Democrático de Direito é uma obrigação do Estado e de suas autarquias buscar avançar de todas as formas e por todos os meios possíveis no cumprimento republicano, coerente, competente, democrático e refletido da legislação.

O Brasil vive um momento triste de sua maculada democracia. Por isso, é um dever exigir o cumprimento da Lei, a defesa da observância do espírito público, o respeito à liberdade de expressão e à produção científica. A gestão pública não pode praticar censura, mais condizente com posturas oriundas de projetos e movimentos antidemocráticos e antipedagógicos como o “Escola sem Partido” – apoiado de forma (um pouco) constrangida pelo Governo Temer. Espera-se, no mínimo, que a atual gestão do Inep disponibilize novamente o artigo referente ao Sinaeb, produzido pelos três pesquisadores. E significa pedir o básico do básico, pois a obrigação seria discutir e retomar a portaria 369, absurdamente revogada por essa gestão.


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