Blog do Daniel Cara

Arquivo : abril 2017

Casos “Schneider X Holiday” e “gênero no currículo” chegam à Genebra
Comentários Comente

Daniel Cara

Genebra (ONU) de olho no Brasil: chegam à comunidade internacional os casos do secretário Alexandre Schneider versus o vereador Fernando Holiday (DEM-SP), em São Paulo; e o caso das duas versões da Base Curricular disponibilizadas pelo MEC, em que o documento oficial exclui as questões de orientação sexual e identidade de gênero, diferente daquele distribuído aos jornalistas.

Denúncias desses retrocessos aos princípios da liberdade de cátedra e da liberdade de expressão no Brasil, além do desrespeito aos compromissos do país no tocante à Educação em Direitos Humanos, têm sido levadas à sede da ONU, em Genebra, Suíça. Quem lidera a incidência da sociedade civil no tema é o Instituto de Desenvolvimento dos Direitos Humanos (IDDH) e a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, por meio da interlocução com diplomatas e representantes de organismos internacionais.

A Constituição Federal de 1988 garante que todos e todas são iguais perante a lei. Diante desse princípio básico, você gostaria de ter seu filho vítima de discriminação na escola? Gostaria de voltar aos tempos da ditadura militar, com censura em sala de aula? Você acha justo um vereador atrapalhar a aula do seu filho e fazer demagogia pública com essa atitude? Se você for sincera ou sincero, respondeu “não” a todas essas perguntas.

Na última sexta-feira, as notícias que começavam a chegar do Brasil pelas redes sociais e pelos portais de internet contrariavam o bom senso e tudo o que fora discutido, horas antes, no salão de número 23, no Palácio das Nações, sede do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, Suíça.

Fernanda Lapa, coordenadora executiva do Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH), com a colaboração da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, fizera um discurso impactante, em uma sala cheia de diplomatas e representantes de países de todos os continentes do mundo, veículos de imprensa e organismos internacionais.

“Os diplomatas ficaram tocados com as informações que apresentei em meu discurso, listando fatos ocorridos nos últimos três anos, como a retirada da palavra gênero dos planos municipais, estaduais e nacional de educação, além das consequências de toda essa onda conversadora que vivemos no Brasil. Muitos também ficaram perplexos com a existência de projetos de lei como o programa ‘Escola sem Partido’, que impacta diretamente na liberdade de expressão de docentes e no acesso à educação de qualidade aos estudantes brasileiros. O que eu não imaginava é que, enquanto em embarcava de Genebra para o Brasil, logo após a atividade na ONU na última sexta-feira, comprovamos o que apresentamos, os retrocessos seriam concretizados via anuncio do MEC de retirar as questões de gênero e orientação sexual da Base Curricular e com o caso das escolas de São Paulo, inspecionadas por vereadores, levando a quase demissão do secretário municipal de educação Alexandre Schneider”, afirmou Fernanda ontem, por telefone, direto de Joinville.

O discurso de Fernanda Lapa tinha ocorrido no contexto da Pré-Sessão do Brasil na Revisão Periódica Universal – momento específico para a sociedade civil se manifestar no âmbito deste mecanismo da ONU para avaliação mútua entre Estados (governos nacionais) quanto à situação de direitos humanos.

Embora Fernanda tenha retornado ao país, Maria Rehder, coordenadora de projetos da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, parceira de missão de Fernanda, pôde continuar em Genebra, em solo suíço. O intuito de sua permanência é o de continuar a fazer uma série de reuniões com diplomatas e organismos de direitos humanos das Nações Unidas, agora com o objetivo de apresentar a atualização e a gravidade dos fatos anunciados desde sexta-feira no Brasil.

“O caso vivido pelo secretário Alexandre Schneider tem realmente deixado a comunidade internacional em alerta. Ele não aceitou ter os professores da rede intimidados com essas vistorias [do vereador Fernando Holiday (DEM-SP)]. A perplexidade não é só pelas ameaças que ele tem sofrido [por parte dos militantes do Movimento Brasil Livre (MBL)], mas justamente o como esse tipo de ação dentro das escolas viola a liberdade de expressão e o direito humano à educação”, afirmou Maria Rehder, ontem à noite, por telefone, de Genebra.

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação e o Instituto de Desenvolvimento de Direitos Humanos (IDDH), desde a emergência do movimento “Escola sem Partido”, têm realizado uma série de denúncias junto aos mecanismos internacionais de Direitos Humanos.

Como coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em novembro do ano passado, estive em Genebra, junto com Maria Rehder. No começo de dezembro de 2016, fiz sustentação oral contra o “Escola sem Partido” na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA). Na semana passada recebemos em São Paulo a visita da Relatora Especial das Nações Unidas para o Direito Humano à Educação, Koumbou Boly Barry, que esteve no Brasil em viagem extraoficial. Devo voltar à Genebra em breve, para continuar esse trabalho de incidência direta internacional. O contexto que vivemos é grave e aqui só me debruço nas questões específicas à educação.

A retirada das questões de gênero e orientação sexual da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) também representa um enorme retrocesso, provenientes de acordos firmados pelo Ministério da Educação com a bancada parlamentar ultraconservadora e retrógrada.

Inclusive, excluir as questões de gênero e orientação sexual da BNCC contraria recomendação recente da ONU ao Brasil, no âmbito do Comitê sobre os Direitos da Criança – órgão máximo de monitoramento do direito da infância no mundo. Em 2015, em seu documento oficial, essa esfera internacional recomendou ao Brasil “decretar legislação para proibir a discriminação e a incitação de violência com base na orientação sexual e na identidade de gênero e dar sequência ao projeto “Escolas sem Homofobia”, política pública diametralmente oposta ao programa “Escola sem Partido”.

Sobre esta e outras temáticas concernentes ao direito humano à educação, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em parceria com a Ação Educativa, a Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced) e a Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (CLADE), submeteu um relatório à Revisão Periódica Universal da ONU.

Em que pese a acomodação da sociedade brasileira diante das agressões verificadas ao Direito Humano à educação, é provável que a comunidade internacional não se cale diante do obscurantismo que emerge no país.

#ApoioAlexandreSchneider

#ApoioAlexandreSchneiderEmGenebra


O MEC está em declínio e a Base Curricular é prova disso
Comentários Comente

Daniel Cara

Hoje (6/abril) o Ministro da Educação, Mendonça Filho, entrega a terceira versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o Conselho Nacional de Educação (CNE). O texto chega com atraso. Segundo o calendário do Plano Nacional de Educação 2014-2024 (PNE), o documento deveria ter sido entregue ao CNE em junho do ano passado (2016). Com a tarefa em suas mãos, agora é esperado que os conselheiros e as conselheiras corrijam erros de elaboração cometidos até aqui pelo Ministério da Educação (MEC), utilizando o tempo necessário para isso.

Passou o momento em que era debatida a necessidade de uma orientação curricular para todo o território nacional. O direito à educação é um pressuposto da cidadania de todos os brasileiros e de todas as brasileiras. Segundo a Constituição Federal, a educação deve ser ofertada de modo a garantir a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, com padrão de qualidade. E a política curricular desempenha um papel fundamental para a observância desses dois princípios. Porém, não é simples elaborar uma política curricular.

A sistematização e a análise das políticas sociais, como campo da administração pública, trazem alguns ensinamentos. O principal é que o sucesso de uma ação governamental, especialmente em áreas sensíveis como a educação, depende da legitimidade da política perante seus implementadores reais. No caso do currículo, a implementação depende, essencialmente, dos formadores de professores e dos professores.

Se no Governo Dilma esse envolvimento já não era feito a contento, no Governo Temer a situação piorou, e muito. Como resultado, o futuro da BNCC tende a ser o mesmo dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002): não chegaram às escolas, embora ainda influenciem a elaboração de livros didáticos – o que parece muito, mas está infinitamente distante de ser suficiente.

As fundações e movimentos empresariais, que de modo constrangido apoiam esse governo, argumentarão que milhões de pessoas participaram das consultas para elaboração da BNCC, inclusive por meio de seminários estaduais e nacionais.

No Brasil não é difícil mobilizar milhões. E a educação tem certa facilidade para isso. Porém, quantidade não significa pluralidade, ou seja, a capacidade de mobilizar muitas pessoas de diferentes origens e perspectivas. A pergunta é: isso é possível? E a resposta é sim. As conferências nacionais de educação (Conaes) de 2010 e 2014 foram capazes de mobilizar, qualitativamente, mais de 4 milhões de brasileiros de diferentes segmentos e setores da comunidade educacional. E o produto desse trabalho difere, razoavelmente, do processo e do conteúdo da BNCC.

No tocante ao documento entregue ao CNE, além de certa pasteurização de conteúdos e uma prolixidade que manifesta a insegurança do texto, há questões graves, como a ausência da parte relativa ao Ensino Médio e a demanda pela alfabetização precoce das crianças, aos 7 anos de idade, contrariando dispositivos do PNE.

A ausência do documento sobre o Ensino Médio demonstra a falta de orientação de um governo que acaba de aprovar uma reforma contraproducente para essa etapa, que foi rejeitada por professores, estudantes e, até mesmo, gestores estaduais – responsáveis pelas escolas de Ensino Médio. Estes últimos, inclusive, chegaram a eleger para a presidência do Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação (Consed) um crítico da reforma, o Secretário do Ceará, Idilvan Alencar – o que representou uma derrota fragorosa do MEC e de sua articulação política.

E pior: a equivocada Reforma do Ensino Médio depende essencialmente da BNCC para ser operada, inclusive no que se refere a questões polêmicas como o ensino de artes, educação física, sociologia e filosofia. Sobre esse ponto, muitas desculpas serão dadas. Nenhuma, honestamente, se justifica.

Forçar a barra para a alfabetização precoce demonstra a incapacidade desse governo de ler os avanços científicos em matéria de psicologia, pedagogia, didática e neurociência. Todos eles indicam: é contraproducente acelerar forçosamente a alfabetização, que a bem da verdade, não tem uma idade “certa” para ocorrer. Conforme têm apontado pesquisas da área, a alfabetização se caracteriza como um processo que normalmente tem sua primeira etapa consolidada ao final dos três primeiros anos do ensino fundamental, avançando ao longo dos anos iniciais. Derrotados na tramitação do PNE nessa questão, os atuais gestores do MEC, especialmente os filiados ao PSDB, tentam agora forçar a barra. Para servir a que interesses, ou melhor, interesses de quem? Fica sempre a pergunta.

Normalmente, a parte representa o todo. O Governo Temer manifesta os primeiros sinais de esgotamento. Não é fácil agradar a parte irascível e voraz da elite empresarial que o mantém no poder, praticar manobras judiciais para não cair e manter a fidelidade parlamentar de sua coalizão paradoxal, formada por ultraconservadores e ultraliberais.

Se o Planalto começa a entrar em declínio após o ilegítimo processo de impeachment, com o MEC não é diferente. Enquanto a agenda de Mendonça Filho é toda orientada para a disputa paroquial em Pernambuco, onde pretende ser governador ou senador, medidas importantes como o Sinaeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) e a implementação do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial) são – respectivamente – revogadas e proteladas, para citar apenas dois bons exemplos de dispositivos demandados pelo PNE.

Ao mesmo tempo que o MEC não considerou os implementadores da política (formadores de professores e suas entidades, especialmente a Anfope – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação; além dos professores) na BNCC, fugiu da responsabilidade de propor um currículo ao Ensino Médio, após reformá-lo de maneira – no mínimo – irresponsável e, por fim, tenta invalidar acordos consagrados na tramitação do PNE – manobrando pela alfabetização precoce de crianças.

Em tempo, isso deve gerar forte e justificada oposição da comunidade educacional, que se espalha por todo o país e é muito mais ampla em representatividade e pluralidade do que o grupo que interage e busca legitimar – ainda que de forma constrangida – o MEC, composto por poucas associações de base empresarial, praticamente restritas à ponte área São Paulo-Rio de Janeiro.

Não é dessa forma que o Brasil será capaz de superar sua grave crise educacional, que como parte de todas as nossas outras crises como nação, revela que temos desafios hercúleos para sermos um país justo, próspero e sustentável.


< Anterior | Voltar à página inicial | Próximo>