Blog do Daniel Cara

Arquivo : junho 2016

Governantes não ligam para o descumprimento do Plano Nacional de Educação
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Daniel Cara

Previstos no Plano Nacional de Educação (PNE), hoje o país deveria comemorar a regulamentação do Sistema Nacional de Educação (SNE) e do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), mas não é o que vai acontecer. O PNE 2014-2024 está sendo ignorado pelos governantes. Cabe à sociedade cobrar sua implementação.

Amanhã o Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024) completa dois anos. Até hoje (24/6), 14 dispositivos deveriam ter sido cumpridos e implementados, entre eles a regulamentação do SNE e a implementação do CAQi. (Clique aqui e saiba mais)

O PNE é um plano decenal previsto na Constituição Federal e determina diretrizes, metas e estratégias para o Brasil consagrar o direito à educação de qualidade em seu território – da creche à pós-graduação. Sua execução deve envolver o esforço da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e a participação da sociedade. Não é, porém, o que está acontecendo.

Até o momento, dos 14 dispositivos agendados para 2015 e 2016, nenhum foi plenamente cumprido. Três motivos explicam esse fato: o primeiro foi o austericídio (batizado de “ajuste fiscal”) de Joaquim Levy, ministro da Fazenda de Dilma Rousseff em 2015. Ele sacrificou demasiadamente o PNE: R$ 11 bilhões de recursos da área foram cortados. Isso impediu a execução de programas federais dedicados à expansão e manutenção de creches, pré-escolas, escolas de ensino fundamental e de ensino médio, além da manutenção de matrículas em educação de jovens e adultos e educação em tempo integral.

Em segundo lugar, nenhum governante até o momento priorizou, verdadeiramente, o cumprimento do plano. O PNE se tornou uma agenda exclusivamente discursiva: políticos gostam de mencioná-lo, mas sequer se lançam ao desafio de planejar sua implementação.

Em terceiro lugar, diante das crises política e econômica que assolam o país, o PNE nem se aproxima do rol de prioridades dos governantes. É preciso lembrar, porém, que seu descumprimento tem consequências graves para a vida dos cidadãos.

Apenas alguns prejuízos do descumprimento do PNE

Ao não iniciar a implementação do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), mecanismo criado e desenvolvido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação desde 2002, o Brasil permanecerá sem qualquer instrumento que subsidie de forma prática a materialização de uma escola capaz de garantir a relação de ensino-aprendizagem.

O CAQi determina que toda escola pública deve ter número adequado de alunos por turma, profissionais da educação condignamente remunerados, com política de carreira e formação continuada. Além disso, as unidades escolares devem disponibilizar bibliotecas e salas de leitura, laboratórios de ciências, laboratórios de informática, internet banda larga, quadra poliesportiva coberta, transporte e alimentação escolar de qualidade.

A escola do CAQi é a mesma exigida pelos estudantes que ocupam, com razão, unidades escolares pelo Brasil afora.

A ausência do Sistema Nacional de Educação (SNE) faz com que os governantes federais, estaduais e municipais não tenham suas responsabilidades e papéis definidos. Permanece a tradição de cada um fazer sua própria política educacional, sem se articular com os demais.

As gestões das prefeituras, dos governos estaduais e distrital e do governo federal pensam e agem de modo diferente. Suas divergências, contudo, não podem continuar prejudicando o direito dos cidadãos à escola pública de qualidade. O Brasil precisa superar o jogo de empurrar obrigações educacionais, todos os entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) devem trabalhar juntos, com regras definidas e no mesmo rumo em prol da educação.

Agendas atrasadas

Desde 2010 há um parecer aprovado pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação. Ele normatiza o CAQi desenvolvido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. No entanto, até hoje, o documento não foi homologado pelos Ministros da Educação.

O projeto de lei do Sistema Nacional de Educação, por sua vez, sequer foi aprovado na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. E o relatório do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) foi apresentado em dezembro de 2015.

Em relação à educação há muito discurso, insuficiente recurso e pouquíssimo compromisso público. E a situação pode piorar: se a PEC 241/2016 for aprovada, impondo teto aos investimentos em políticas sociais, será impossível cumprir o PNE.

Até aqui a educação não é prioridade

Diante do descumprimento do PNE, os políticos e os governantes devem refletir, sinceramente, o quanto consideram a educação uma prioridade.

A sociedade diz que é. Entre 30 de maio e 03 de junho, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação organizou a Semana de Ação Mundial 2016 que, no Brasil, teve o cumprimento do PNE e o financiamento das políticas educacionais como tema. Em milhares de atividades que ocorreram em todo país, 210 mil pessoas avaliaram e exigiram o cumprimento do plano.

A SAM 2016 foi o maior processo de controle social sobre a implementação do PNE. Entre os dias 07 e 08 de junho foram realizadas audiências públicas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, respectivamente, para apresentar as conclusões da SAM e criticar o descaso dos governos com o plano.

Hoje (24/6), importantes entidades puxam um tuitaço e uma mobilização em redes sociais com o lema “#PelaEducação: 2 anos de PNE!”.

O PNE 2014-2024 foi aprovado por unanimidade por todos os partidos representados no Congresso Nacional. É preciso que cada um deles tenha compromisso com o que votou e decida se a educação do povo brasileiro é ou não prioridade.

Caso a resposta dos governantes seja não ou as atitudes práticas deles permaneçam sendo de descaso, é preciso que a sociedade brasileira os relembre da centralidade do PNE: consagrar o direito à educação de qualidade no Brasil.

A educação brasileira não pode permanecer como está.


Por que não basta gritar “Fora Temer”?
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Daniel Cara

Além do impeachment, há um duro golpe contra a Constituição Federal, os direitos sociais e, especialmente, a educação.

Direito

O Brasil enfrenta um duplo golpe. E os dois são articulados, interdependentes e se retroalimentam.

O primeiro golpe começou antes mesmo das eleições de 2014, quando emergiu entre empresários, economistas e

políticos o falacioso discurso de que a Constituição Federal não cabe no orçamento público. Era um primeiro aviso de uma intenção real: reduzir o tamanho do Estado, o que significa inviabilizar a observância de direitos.

O objetivo desse primeiro golpe, contra o (tímido) projeto brasileiro de democracia social, é desconstruir o modelo de financiamento dos direitos sociais. A desculpa é a defesa de que apenas soluções ultraliberais podem equilibrar as contas públicas – o que a História econômica ensina que está distante de ser verdade.

O segundo golpe é contra a democracia institucional e se expressa de maneira mais evidente com o processo de impeachment.

O afastamento da presidente Dilma Rousseff só foi possível pela emergência de uma coalizão parlamentar amplamente majoritária, composta pela unção entre os políticos liberais com os parlamentares conservadores – identificados com o fundamentalismo cristão. O resultado é a formação de uma ampla maioria parlamentar de caráter ultraliberal em termos econômicos e ultraconservadora em termos morais e de direitos civis. Na educação, o ultraconservadorismo se expressa em torno de projetos obscurantistas, como o programa “Escola sem Partido”.

O ponto em comum dos dois golpes é o decisivo apoio do empresariado, simbolizado pelo pato (plagiado) da Fiesp. Em períodos de recessão, vale o ditado popular: “se a farinha é pouca, meu pirão primeiro”. E assim, na avaliação da parte mais significativa dos donos do capital, os ditames constitucionais são exagerados e a experiência lulista estava cara demais, por mais tímido que o lulismo tenha sido em termos de promoção do Estado de bem-estar social. Para os endinheirados, era preciso retomar o controle e a direção dos governos.

O primeiro ataque ao projeto brasileiro de democracia social, inscrito na Constituição de 1988, foi a nomeação de Joaquim Levy ao Ministério da Fazenda, logo após a eleição de Dilma Rousseff.

Em menos de um ano, Levy implementou um grave austericídio, com efeitos bastante evidentes, como a redução da atividade econômica, o aumento do desemprego e a baixa arrecadação. Como consequência, a desigualdade aumentou e a presidenta legitimamente eleita foi acusada – não sem razão – de estelionato eleitoral.

Com base em dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), a Folha de S. Paulo revelou que desde o início do segundo mandato de Dilma Rousseff (2015), a desigualdade entre os que compõem a força de trabalho (desempregados e ocupados) aumentou quase 3%. Segundo o pesquisador Rodolfo Hoffmann (USP), é muito para um indicador que varia pouco ao longo tempo. De 2015 até hoje, a taxa de desemprego subiu de 7,9% para 10,9% da população economicamente ativa.

Na educação, o austericídio (apelidado de ajuste fiscal) de Joaquim Levy, significou a desconstrução de programas essenciais como o Proinfância (Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil), o Pnaic (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa), o Mais Educação (dedicado à expansão e manutenção da educação em tempo integral), o Ciências Sem Fronteias, além de frear a expansão de matrículas públicas federais no ensino técnico profissionalizante de nível médio e no ensino superior.

Porém, o austericídio de Joaquim Levy foi insuficiente para o gosto dos mais ricos. Não havia, entre os donos do capital, a certeza de que o governo Dilma seria capaz de desconstruir, na medida do que consideravam necessário, o lulismo e a Constituição Federal de 1988. Para viabilizar a emergência do modelo econômico ultraliberal era preciso desenhar um programa sólido e ter o controle do sistema político.

O programa desenhado foi o “Uma ponte para o futuro”, do PMDB. E o controle do sistema político foi viabilizado por meio do juridicamente discutível processo de impeachment. Para a elite econômica, Michel Temer é o homem certo, no lugar certo, no momento certo: alguém sem muitas convicções ideológicas, sem qualquer compromisso eleitoral, com trânsito político e muita ambição.

Após o afastamento de Dilma Rousseff, já como presidente interino, Michel Temer nomeou Herinque Meirelles para liderar seu Ministério da Fazenda.

Meirelles foi presidente do Banco Central no governo Lula e, por sua respeitabilidade junto ao mercado, sempre foi alçado à condição de ministeriável de Dilma. Ela, contudo, rejeitava o ex-colega de Esplanada. Em sua correta avaliação, Meirelles é ainda mais liberal do que o Joaquim Levy. E já não tinha sido fácil para a presidenta eleita ter que engolir “Chicago boy” logo após ter sido reeleita.

Temer e Meirelles, orientados pelo programa “Uma ponte para o futuro”, deram aos donos do capital aquilo que eles sempre pediram, mas nunca obtiveram da presidenta afastada: confiança.

Confiança é uma palavra forte e com inegável carisma. Segundo os dicionários de língua portuguesa, significa crença na lealdade, na competência; crença de que algo não falhará.

Sem prejuízo ao significado formal, no dicionário cru do mercado, confiança significa corresponder às expectativas. E as expectativas do capital, especialmente do capital financeiro, são claras: reduzir o tamanho do Estado brasileiro, produzir superávit primário e equacionar, tal como determina o script ultraliberal, a dívida pública.

A Constituição Federal de 1988 determinou que todos são iguais perante a lei e têm direito à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao transporte, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade, à infância e à assistência – caso estejam desamparados.

Em um exame sincero de consciência, não há alguém capaz de discordar, substantivamente, que exista igualdade sem a observância desses direitos. Porém, Temer e Meirelles obedecem a um projeto que não se preocupa com isso. A maior prova é a tramitação da PEC 241/2016 que impõe um teto de 20 anos ao investimento em políticas sociais e demais gastos primários.

Se a PEC 241/2016 viger, não será possível ampliar 3,4 milhões de matrículas em creches, 700 mil em pré-escolas, 500 mil em ensino fundamental, 1,6 milhão em ensino médio e 2 milhões em ensino superior público, entre outras metas previstas no Plano Nacional de Educação – como a melhoria do salário dos professores e outros insumos necessários para a realização do processo de ensino-aprendizagem nas escolas públicas brasileiras.

Para a educação, essa emenda constitucional significará a interrupção de um processo de crescimento acelerado do investimento nos últimos anos. De 2008 para cá, por exemplo, as despesas definidas na legislação como manutenção e desenvolvimento do ensino aumentaram 117% acima da inflação – e ainda assim isso foi insuficiente para expandir e melhorar a qualidade da educação.

O golpe mais visível é o golpe à democracia institucional e tem sido o que mais mobiliza parte significativa da população, especialmente em torno do “Fora Temer!”. Porém, é imprescindível que os brasileiros tenham consciência de que enfrentam também outro golpe, contra a Constituição Federal de 1988, os direitos sociais e o melhor legado do programa lulista. Esse golpe é mais ardiloso e começou logo após as eleições de 2014, com o austericídio de Joaquim Levy, ainda sob a presidência de Dilma Rousseff – que hoje diz se arrepender de ter autorizado o pacote, com a indiscutível sinceridade produzida pelos fatos da História.

Ambos os golpes são graves e devem ser denunciados e enfrentados em conjunto. O golpe à democracia institucional maculou a soberania popular e a sagrada regra do jogo eleitoral, com efeitos deletérios à viabilização de qualquer projeto de poder de centro-esquerda. O golpe à democracia social fará com que o Brasil perenize sua gritante desigualdade, voltando a ser o país em que os governos beneficiam as 200 famílias mais ricas da população sem se preocupar, verdadeiramente, com as condições de vida dos 200 milhões de brasileiros e de brasileiras.

O Brasil não pode retroceder na História, mas tem caminhado a passos largos nesse (contra) sentido.


Educação em risco sob a política econômica de Temer-Meirelles
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Daniel Cara

Enquanto o processo de impeachment e os desdobramentos da operação Lava-Jato tomam conta da agenda pública, a área econômica do governo interino tem conseguido apoio parlamentar suficiente para pautar e aprovar projetos que impõem riscos aos direitos sociais.

Graças ao trabalho dos parlamentares da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados e à força dos movimentos educacionais, em especial devido ao incansável trabalho de incidência política realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, as políticas educacionais, até aqui, não sofreram os efeitos diretos da DRU (Desvinculação das Receitas da União) e da DREM (Desvinculação das Receitas de Estados e Municípios).

Esse foi o resultado da votação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 4/2015, ocorrida no último dia 8/6. Segundo o texto aprovado, ficou mantido o artigo 212 da Constituição Federal que obriga o investimento de, no mínimo, 18% dos impostos da União (Governo Federal) e, no mínimo, 25% das receitas de Estados e Municípios em manutenção e desenvolvimento do ensino. Além disso, o salário-educação também foi preservado.

A votação da PEC 4/2015 ocorreu um dia após a audiência pública solicitada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação para debater a implementação do PNE 2014-2024 (Plano Nacional de Educação), nos marcos da Semana de Ação Mundial 2016. Na ocasião, todos os expositores foram contra a incidência da DRU e da DREM sobre a educação, bem como os parlamentares.

O texto da PEC 4/2015 segue agora para o Senado Federal, onde encontrará proposta semelhante já votada em primeiro turno.

No contexto político atual, liberar a educação dos efeitos da DRU e da DREM é uma grande conquista. Se o texto da PEC 4/2015 for confirmado pelo Senado Federal, será evitada em 2017 uma perda, para as políticas educacionais, de cerca de R$ 90 bilhões (noventa bilhões de reais). Se com os recursos atuais a educação não vai bem, com R$ 90 bilhões a menos a situação piorará de maneira dramática.

Porém, esse não é o único risco. Amanhã deve chegar ao Congresso Nacional a proposta do Ministro interino da Fazenda, Henrique Meirelles. Ele pretende determinar um teto aos gastos da União. A ideia é impor uma regra: o orçamento público de um ano não poderá ser maior do que o do ano anterior, sendo que o único reajuste permitido será inflacionário – ou seja, não haverá mais ganho real. Em outras palavras, o governo federal poderá aumentar os seus gastos primários, no máximo, de acordo com a inflação do ano anterior.

Diante dessa proposta, o economista João Sicsú fez um estudo interessante. Ele voltou a 2006 e aplicou até 2015 a regra idealizada pelos governantes interinos Michel Temer e Henrique Meirelles. Como se sabe, na educação, o orçamento de 2015 foi de R$ 103,8 bilhões. Se a regra de reajuste inflacionário de Temer e Meirelles tivesse sido implementada em 2006, o orçamento federal para a área teria sido de apenas R$ 31,5 bi em 2015 – um orçamento 70% menor do que o atual.

Com esse volume de recursos, muito pouco poderia ter sido feito nos últimos dez anos, considerando que as políticas públicas de educação envolvem 40 milhões de estudantes e 5 milhões de profissionais, somente na educação básica. Sem contar com mais de 1 milhão de estudantes do ensino superior público.

Desde 2006 o investimento em políticas educacionais cresceu substantivamente. Isso se deu graças à pressão da sociedade civil, a projetos aprovados pelo parlamento e à sensibilidade governamental. Investir em políticas sociais é o melhor caminho para tornar o Brasil um país mais justo.

Se a área for mesmo capaz de ser preservada dos efeitos da DRU e da DREM, seus atores não podem deixar de lutar contra a proposta regressiva de política orçamentária, redigida por Temer e Meirelles.

A questão é simples: se for aprovado o critério de reajuste orçamentário proposto por eles, será impossível criar 3,4 milhões de novas matrículas de creche, 700 mil de pré-escola, 500 mil de ensino fundamental, 1,6 milhão de ensino médio, 14 milhões de vagas para alfabetizar jovens e adultos, 4 milhões de vagas para o ensino técnico profissionalizante de nível médio e 2 milhões de matrículas públicas de ensino superior. Tudo isso está previsto no PNE 2014-2024, mas, acima de tudo, é um direito constitucional dos brasileiros e das brasileiras.


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