Secretários do Norte exigem participação do Governo Federal na Amazônia
Daniel Cara
Pela primeira vez, os secretários estaduais de educação do Norte decidiram revelar, para todo país, a necessidade de recursos para garantir o direito à educação naquela região.
Em Carta publicada hoje (11/8), redigida em Manaus, eles defendem que além do padrão mínimo de qualidade nacional – a ser instituído por meio do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) –, é preciso constituir um fator amazônico adicional. É um grande acerto.
Três aspectos chamam a atenção no documento. Em primeiro lugar, os secretários exigem que os cidadãos da região Norte tenham condições iguais de acesso e permanência na escola, como preconiza a Constituição Federal. Ou seja, se a unidade escolar de um paulistano terá biblioteca, a de um manauara também deverá ter.
Ao compreender isso, não embarcam na tese de alguns de que é aceitável dar menos a quem já tem menos, sob a alegação de que o custo de vida na Amazônia é mais barato do que no Sudeste do país, por exemplo.
Também discordam que é possível abrir mão de alguns insumos (essenciais!) para o processo de ensino-aprendizagem – como laboratórios de ciências – em escolas indígenas, quilombolas e ribeirinhas. Inevitavelmente, esse seria o resultado do rebaixamento ou simplificação do padrão mínimo de qualidade comum a todo país.
Sempre é preciso lembrar e insistir: a cidadania é um atributo nacional. É evidente que há diferenças regionais no Brasil, o que inclusive alimenta a riqueza cultural e histórica do país, mas também expressa desigualdades. Assim, independentemente do local de nascimento ou moradia, todos brasileiros têm direito a escolas públicas que sejam capazes de garantir que os professores ensinem e os alunos aprendam.
Nunca é ocioso lembrar que o Piso do Magistério, por exemplo, é nacional. Bem como o salário mínimo. E isso ocorre porque é preciso determinar referenciais para todos os trabalhadores brasileiros, em patamar de igualdade.
Em segundo lugar, de forma acertada, a Carta publicada hoje reforça a tese do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi). Ele deve ser implementado até 24 de junho de 2016, segundo o Plano Nacional de Educação (PNE) – Lei 13.005/2014.
O CAQi é um mecanismo proposto e criado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Sua formulação foi iniciada em 2002, um ano antes de começar o primeiro mandato do ex-presidente Lula.
O objetivo do CAQi é materializar o direito de todos os alunos a estudar em escolas públicas com professores condignamente remunerados, estimulados por uma política de carreira, formação continuada, lecionando para turmas com o número adequado de alunos. Além disso, todos os espaços educacionais devem ter bibliotecas, laboratórios de ciências e de informática, quadras poliesportivas cobertas e acesso à Internet de banda larga.
Isso não significa padronização excessiva ou engessamento, como alguns dizem. Pelo contrário! Caso o CAQi seja implementado na sua integralidade, pela primeira vez, qualquer escola pública brasileira terá condições de realizar a sua proposta pedagógica.
Conforme o que está estabelecido pelo PNE, o CAQi deve ser viabilizado com a participação financeira do Governo Federal. Isso deve ocorrer em nome da justiça federativa. No ano passado, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) produziu dados sobre o financiamento da educação, por requerimento do Senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP). Em 2012, a cada R$1,00 investidos em educação pública, a União colocou apenas R$0,18, cabendo aos Estados uma participação de R$0,40 e aos Municípios, R$0,42. Só que o Governo Federal é, de longe, o que mais arrecada mas – como visto! – o que menos colabora.
Em terceiro lugar, a Carta demonstra que a Amazônia determina desafios logísticos diferenciados. O CAQi, que por definição é nacional, deve ter seu valor suplementado por um fator amazônico.
Isso é necessário porque a região Norte tem alguns custos 10 vezes maiores do que os do restante do país. Por exemplo, apenas para investir e mobilizar uma obra no Estado do Amazonas (contratar e deslocar equipes, adquirir e transportar materiais e instrumentos de trabalho), é preciso investir R$ 500 mil, em média. Em São Paulo, esse custo é de R$ 50 a R$ 75 mil. Os desafios logísticos em uma região de floresta são imensos. Deslocar professores, inclusive, é outra questão complexa – para citar apenas duas.
Considerando a urgência, em especial devido aos graves indicadores sociais e educacionais da Amazônia, os secretários solicitam – de imediato! – repasses diferenciados nos programas federais já existentes. Sobretudo pelo fato de que o CAQi ainda não está implementado. Tampouco o fator amazônico complementar.
Sem tergiversar, a Carta da região Norte ensina que é preciso alcançar um patamar nacional de qualidade na educação, por meio da melhoria das condições de oferta do ensino, com equidade.
E, para tanto, o texto mostra que é imprescindível considerar os desafios específicos de cada canto do Brasil, como a Amazônia ou o semiárido nordestino. Esses locais necessitam de alguns repasses diferenciados, complementares aos valores nacionais de referência. Não será fácil, mas é o justo. Esse é o caminho para rever e implementar um pacto federativo consistente, basilar para um Sistema Nacional de Educação (SNE) efetivo.
Boaventura de Souza Santos ensina que “temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.”
Ou seja, o primeiro passo deve ser o da igualdade, estabelecida pelo CAQi: todos cidadãos devem ter direito a um padrão nacional e inicial de qualidade na educação. Com isso, as diferenças deixarão de adubar as desigualdades. O segundo passo deve ser o dos fatores complementares, como o amazônico, o do semiárido, etc.
O que se quer, como fica evidente, é interromper o círculo vicioso atual, em que a regionalização permanece fornecendo água ao moinho das desigualdades brasileiras.