Blog do Daniel Cara

O Governo, o Congresso e o futuro da educação

Daniel Cara

Desde que o Ibope cravou em 9% a aprovação do governo Dilma Rousseff, aumentaram as notícias sobre seu risco de queda. Os primeiros efeitos da crise econômica e arrecadatória chegaram, começando a corroer primeiro as condições de vida das classes E, D e C. Como política de redução de danos, ontem foi lançado o Plano de Proteção ao Emprego (PPE), uma espécie de analgésico necessário às implicações do ajuste fiscal promovido pelo Ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

Embora a queda da economia seja o fator estrutural, sufocando um governo eleito por uma narrativa essencialmente fundamentada na expansão do consumo, os vazamentos seletivos da Operação Lava Jato, o julgamento das chamadas “pedaladas fiscais” no Tribunal de Contas da União e as sucessivas derrotas no parlamento deixam o Palácio do Planalto paralisado, evidenciando sua baixa resiliência.

A correlação de forças no Congresso Nacional

No Congresso Nacional, principalmente na Câmara dos Deputados, a situação é grave. Se a política fosse uma luta de boxe, Dilma e seu gabinete estariam nas cordas. Entre os analistas políticos (seriam apostadores?), o cálculo reside em tentar prever se a derrota será por pontos, com a presidenta completando seu mandato legal e legítimo, conquistado nas urnas, ou por nocaute. Quase ninguém considera uma virada.

Uma leitura cuidadosa da Câmara dos Deputados e das votações da semana passada desnuda o cenário. Derrotado nos primeiros minutos do dia primeiro de julho, o presidente da Casa, Eduardo Cunha, provou que é capaz de empreender qualquer manobra regimental para alcançar seus objetivos. E faz isso sem qualquer receio de desgaste perante a opinião pública.

Não é esse, porém, o recado principal. Ao forçar, em poucas horas, um segundo processo deliberativo, em uma espécie de tapetão parlamentar, Cunha e seus apoiadores provaram a extensão de sua força.

Como qualquer proposta de emenda à Constituição, a que busca reduzir a idade penal de 18 para 16 anos para crimes hediondos, exigia 308 votos favoráveis. Na primeira votação o placar apontou 303 votos, uma soma insuficiente. Porém, em uma segunda e controversa votação, o total foi de 323 votos. Ou seja, Eduardo Cunha consegue acumular a soma necessária para os projetos que exigem maioria qualificada.

O Sistema Nacional de Educação, a maioria qualificada e o futuro da educação

Por demanda da Constituição Federal e da Lei 13.005/2014, que estabelece o Plano Nacional de Educação (PNE), o Congresso tem que aprovar até 24 de junho de 2016 a Lei do Sistema Nacional de Educação (SNE).

A distribuição de recursos federativos do SNE deve estar pautada, em primeiro lugar, pelo mecanismo do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e, depois, pelo mecanismo do Custo Aluno-Qualidade. Caberá à União, na figura do Poder Executivo Federal, complementar os recursos necessários para Estados e Municípios viabilizarem tanto um quanto outro. No mínimo, isso deve significar R$ 37 bilhões a mais, por ano, de transferências federais obrigatórias para os governos estaduais e municipais.

Por ser demandado pela Constituição Federal e por enfrentar os nós do pacto federativo, o SNE deve ser regulamentado por legislação complementar. Ou seja, para ser aprovado, exige maioria qualificada. Isso significa dois terços dos votos dos parlamentares da Câmara dos Deputados (308 votos) e dois terços dos votos do Senado Federal (54 votos).

Se o SNE não for instituído, dificilmente o PNE terá sucesso. Um dos problemas centrais da educação nacional é a falta de organicidade de ações entre o Governo Federal, os governos estaduais e os governos municipais. Os resultados acumulados pelo Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado por Fernando Haddad em 2007, comprovaram duas coisas: primeiro, os programas do Ministério da Educação (MEC) são importantes e podem ser (muito!) melhorados. Segundo: por melhor que sejam, jamais serão capazes de estruturar uma política nacional de educação.

O SNE, organizado com o objetivo de cumprir as metas e estratégias dos PNEs – conforme estabelece o artigo 214 da Constituição Federal –, é o melhor caminho para colocar as ações de todos os entes federados no mesmo trilho, com justiça federativa. Com isso, o Governo Federal deverá fazer um esforço financeiro em educação básica pública equivalente à sua capacidade arrecadatória, muito maior do que o bolo tributário acumulado pela soma arrecadada pelos 5569 municípios, 26 Estados e o Distrito Federal.

Lula e Dilma tiveram a oportunidade, mas não enfrentaram a agenda

Durante os dois mandatos de Lula e o primeiro mandato de Dilma, quando o Palácio do Planalto contou com um capital político sólido, a justiça federativa em matéria educacional não avançou. E para instituí-la não era preciso esperar a aprovação do PNE 2014-2024, atualmente em vigor. Extremamente popular, Lula sequer cogitou derrubar os vetos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao PNE anterior, que vigorou entre 2001 e 2010. Como resultado, o primeiro plano educacional pós-redemocratização teve apenas um terço de suas metas cumpridas. O PNE atual não pode ter o mesmo resultado, sob o risco de o Brasil permanecer com muitas crianças, adolescentes e jovens fora da escola, além de manter matrículas que não propiciam um aprendizado significativo aos alunos.

O tempo corre e o PNE não avança na medida do necessário

Após uma extenuante e conflituosa tramitação, Dilma sancionou sem vetos o PNE 2014-2024, o segundo desde 1988. Mas completado um ano de vigência, muito pouco foi feito – e nada na medida do necessário!

Ao invés de se dedicar ao cumprimento da Lei 13.005/2014, expandindo matrículas, qualificando a educação básica e debatendo alternativas para a boa implementação de cada um dos dispositivos do plano, o Brasil passou o primeiro semestre de 2015 debruçado sobre o texto “Pátria Educadora”, redigido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) de Mangabeira Unger. O PNE, único plano educacional aprovado por todos os partidos e construído com forte participação da sociedade civil, foi escanteado pelo Palácio do Planalto no nível federal.

Com o governo cambaleante, o futuro do SNE e – por consequência do PNE – deve ser decidido em breve pelo Congresso Nacional. Renan Calheiros, Eduardo Cunha e suas maiorias parlamentares serão atores centrais. Apenas a pressão social e uma extensa repercussão pública, fundamentadas em bons argumentos técnicos, convencerão uma ampla maioria parlamentar a instituir um Sistema Nacional de Educação condizente com as necessidades e demandas do Brasil. A comunidade educacional precisa estar preparada para fazer valer sua posição. Não será fácil.