Blog do Daniel Cara

Os discursos e as polêmicas no Fórum Mundial de Educação

Daniel Cara

Ontem (19/5) aconteceu a cerimônia de abertura do Fórum Mundial de Educação em Incheon, Coréia do Sul. Nos eventos internacionais, normalmente, essas ocasiões são momentos protocolares, dedicadas a transmitir apenas uma mensagem geral, evitando qualquer polêmica.

Por sorte, o que ocorreu foi um pouco diferente. Os oitos oradores apontaram mensagens e caminhos que pautarão o evento. Não é possível concordar com todos, mas as posições ficaram explicitadas.

A Diretora Geral da Unesco, Irina Bokova, refez o caminho das metas de educação, iniciado em Jontiem (Tailândia) em 1990, fortalecido no evento de Dacar (Senegal) em 2000 e em redefinição aqui em Incheon (2015). Ressaltou a presença de mais de 130 ministros neste Fórum e reforçou que a educação é um direito humano inalienável. Refletiu sobre o fato de que apenas um terço dos países cumpriram as metas de Dacar, que se encerram em dezembro de 2015. Para isso não acontecer novamente, Bokova afirmou que é preciso financiamento adequado da educação nos países, reforçado por cooperação internacional onde for necessário.

Irina reforçou ainda que para universalizar o acesso à educação primária nos países mais atrasados em termos educacionais são necessários USD 22 bilhões por ano de investimento global.

A presidente da Coréia do Sul, Park Geun-hye, fez um discurso elegante. Narrou a travessia sul-coreana de um país devastado pela guerra para uma sociedade desenvolvida. Um dos pilares das mudanças se deve ao esforço nacional realizado após a Guerra da Coréia, pautado em investimento educacional. Segundo ela, para os coreanos, “a educação é o cimento para o crescimento da pessoa e da nação”.

A presidente Park foi sucedida por seu conterrâneo, Ban Ki-moon. O secretário geral da ONU deu sequência à posição dela: “a Coréia do Sul é o único país que saltou de uma situação de pós-guerra e de extrema pobreza para um presente de desenvolvimento”. A chave foi o investimento em educação.

Ban Ki-moon reiterou que é preciso o investimento adequado em educação ao redor do mundo, inclusive como uma arma contra o terrorismo e o desrespeito aos direitos humanos: “a educação é um instrumento de segurança. Por isso, terroristas e extremistas atacam escolas”. Essa visão foi seguida por muitos outros oradores.

Adentrando no tema do conceito de educação, em suas palavras, reforçou que a educação supera as proficiências em matemática, língua e ciências. “É preciso uma educação dedicada também aos valores, à cultura, a formar cidadãos globais livres e comprometidos com os direitos humanos e a sustentabilidade”.

Diferente de seus compatriotas, o terceiro sul-coreano a falar foi o presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim. Foi uma fala infeliz. Além de apresentar a agenda de sua organização como o meio mais eficaz de universalizar uma educação dedicada ao fim da pobreza, afirmou que se os latino-americanos estudassem nos países asiáticos, hoje, a América Latina estaria em outra situação econômica e social. O discurso gerou reação negativa das delegações latino-americanas. Afora a indelicadeza, a educação, sendo um direito, deve ser um fim em si mesma, não apenas um insumo ao crescimento. Além disso, a relação entre educação e desenvolvimento econômico é bem mais complexa do que parece no discurso do Sr. Kim.

O diretor do Unicef, Anthony Lake, reforçou que nenhuma criança e adolescente pode estar fora da escola. Reiterou que o acesso à educação é um desafio monumental, mas que o direito depende também da qualidade: “as crianças precisam aprender e isso significa garantir os conhecimentos, as competências e os valores necessários para uma vida plena”.

Os demais oradores seguiram as posições de seus antecessores. Coube ao laureado com o Prêmio Nobel da Paz de 2014, Kailash Satyarthi, concluir os discursos. Ele reforçou que muito foi dito nos fóruns até aqui, muito esforço foi empreendido, mas ainda o mundo está distante de universalizar o direito humano à educação. Reiterou a demanda por financiamento educacional adequado e foi o orador mais aplaudido do evento.

Estabelecendo o cenário

Os discursos de abertura foram seguidos por um painel de debates, com seis expositores. As três falas mais importantes foram do Prêmio Nobel de Economia, James Heckman, do assessor das Nações Unidas, Jefrey Sachs, e da presidente da Campanha Global pela Educação, Camilla Croso.

Heckman foi taxativo: “não é possível, nem aceitável, fazer política educacional com base no PISA (sistema de avaliação internacional do desempenho de estudantes)”. Foi ovacionado.

Sachs, depois de um discurso forte em defesa do financiamento adequado da educação apresentou uma solução polêmica: “devemos buscar dinheiro com os empresários, os mega bilionários”. Porém, além disso não ser suficiente – a demanda é grande –, os recursos não chegam sem condicionantes injustos.

Camilla Croso foi a única a reiterar no painel que a educação não é apenas um direito de crianças e jovens, mas também de adultos e idosos. Além dela, apenas Irina Bokova teve esse preocupação no primeiro dia do evento, o que preocupa.

20/5: a plenária dos ministros

Na manhã de hoje (20/05) aqui na Coréia do Sul, dos mais de 130 ministros presentes, o ministro da educação do Brasil, Renato Janine Ribeiro foi um dos poucos a se pronunciarem. Reforçou o esforço brasileiro no combate à extrema pobreza e apresentou dados de avanço do Brasil no acesso à educação no país. Inclusive, reiterando a relevância das ações de busca ativa dos brasileiros e das brasileiras que estão fora da escola.

Polêmicas

Alguns países e organizações têm defendido a extração de trechos do documento que exigem que a educação seja gratuita. Há também polêmicas relativas à questão de gênero e das metas de financiamento da educação. A posição da sociedade civil e da maior parte dos governos é de não retroagir em relação às conquistas obtidas no evento prévio realizado em Mascate, em maio de 2014. Vale acompanhar as cenas dos próximos capítulos.