Blog do Daniel Cara

Arquivo : maio 2015

Como deve ser a educação no mundo até 2030?
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Daniel Cara

A Declaração de Incheon ainda não está disponível ao público. Contudo, é possível elencar os principais pontos do texto aprovado no Fórum Mundial de Educação, ocorrido na Coréia do Sul, de 19 a 22 de maio de 2015.

O objetivo do documento é determinar referências, princípios e desafios que serão traduzidos em um macro objetivo e metas para a educação mundial de 2016 até 2030.

Em grande medida, os avanços foram possíveis graças à participação da sociedade civil em todo o processo construtivo da Declaração de Incheon.

Após extensas negociações, foi deliberado que são necessários, no mínimo, 12 anos de educação primária e secundária, dos quais 9 anos devem ser obrigatórios. Essa escolarização básica deve ser financiada com recursos públicos, devendo ser ofertada de forma gratuita e equitativa. No Brasil, a educação básica começa com a creche e vai até 17 anos, sendo a faixa-etária de escolarização obrigatória dos 4 aos 17 anos. Ou seja, temos desafios mais ousados do que o resto do mundo – o que é bom.

Embora também pareça pouco para o contexto brasileiro, graças à vibrante luta pela educação infantil por aqui, ficou decidido em Incheon que toda criança tem direito a, pelo menos, um ano de educação pré-primária de qualidade, gratuita e obrigatória.

Os países assumiram também o compromisso de enfrentar todas as formas de exclusão e marginalização, disparidades e desigualdades tanto no tocante ao acesso à escolarização como no que se refere à aprendizagem dos alunos.

A aprendizagem ficou compreendida como os conhecimentos, habilidades e valores que todos os homens e todas as mulheres – como cidadãos globais – necessitam para viver com dignidade, alcançar seu potencial e contribuir com suas sociedades.

Embora a resistência de alguns países, foi possível fazer ser reconhecida e assumida a importância fundamental da igualdade de gênero na realização do direito à educação, incluindo o compromisso dos Estados Nacionais em desenvolver e implementar políticas capazes de garantir ambientes de aprendizagem seguros.

Foi afirmado ainda um compromisso efetivo com a qualidade da educação, compreendida como condições adequadas de acesso (insumos), além do esforço dos governos para a melhoria de resultados de aprendizagem.

Para tanto, foi encarada como central a agenda de valorização do magistério, incluindo a garantia de que os professores e educadores tenham boa formação inicial e continuada, sejam adequadamente recrutados, e permaneçam motivados e apoiados social e financeiramente.

Embora alguma resistência, foi possível ser declarado que as oportunidades de aprendizagem devem acontecer e estar disponíveis ao longo da vida e não apenas para crianças e adolescentes. Em outras palavras, independentemente da idade, todos os homens e mulheres têm direito à educação.

Por último, foi possível reafirmar, que a consagração do direito à educação é uma responsabilidade dos Estados Nacionais. Para tanto, considerando suas possibilidades econômicas, eles devem investir, no mínimo, o equivalente de 4 a 6% do PIB em políticas públicas educacionais ou devem atribuir, pelo menos, de 15 a 20% do total do orçamento público em educação, na forma do orçamento geral do Estado.

Embora os avanços obtidos em Incheon, relevantes em nível internacional, mas aparentemente tímidos para o contexto brasileiro, muitos passos ainda precisam ser dados. Já em julho ocorrerá na Etiópia, em Adis Adeba, uma cúpula sobre o “Financiamento para o Desenvolvimento”. Ali serão definidas as estratégias da Comunidade Internacional e as tarefas dos países para viabilizar financeiramente o novo marco de objetivos e metas de 2016 a 2030, que incluem a educação.

Em setembro ocorrerá a cúpula sobre “Desenvolvimento Sustentável” da Organização das Nações Unidas. Nessa ocasião serão definidos os “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, incluindo um objetivo sobre educação, pautado pela Declaração de Incheon.

Por último, em novembro, na Conferência Geral da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) será aprovado e adotado o quadro de ações e metas de 2016 a 2030.

Como se vê, há ainda muito a ser feito para garantir um bom marco internacional para o direito à educação. E a qualidade desse conjunto de objetivo, metas e ações dependerá muito da capacidade de proposição e resistência da sociedade civil, em especial da rede da Campanha Global pela Educação, responsável por aglutinar diferentes atores em torno de uma agenda comum.


As deliberações do Fórum Mundial de Educação
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Daniel Cara

Na tarde de ontem (20/5) na Coréia do Sul, madrugada de anteontem no Brasil, foi aprovada a Declaração de Incheon, encerrando a etapa deliberativa do Fórum Mundial de Educação liderado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).

Elaborada pelos governos de mais de cem países, organizações da sociedade civil e grupos de jovens, a Declaração de Incheon estabelece uma visão de política educacional que deve servir como referência aos países para os próximos quinze anos em matéria educativa. O documento também colabora com a definição de objetivos a serem incorporados nas novas metas de desenvolvimento sustentável, a serem estabelecidas até o final deste ano.

Para quem esteve aqui e participou do extenso processo de elaboração do texto, a Declaração de Incheon representa alguns avanços e expressa uma enorme capacidade de resistência. Para citar apenas um exemplo, ao longo do processo, esteve em risco no âmbito do texto, o dever fundamental dos Estados Nacionais em consagrar o direito à educação, bem como a gratuidade do ensino básico obrigatório.

Ao mesmo tempo, alguns atores (representantes de países, grupos empresariais e organizações sociais) defendiam extrair da Declaração as demandas relativas ao financiamento da educação. Porém, não conseguiram.

Após longo processo negocial, foi possível garantir que os Estados Nacionais devem investir, no mínimo, uma faixa entre 4% a 6% do PIB (Produto Interno Bruto) ou 15% a 20% do orçamento geral dos Estados Nacionais em políticas educativas, em um marco de transparência, monitoramento rigoroso e prestação de contas.

Para fazer sentido prático, essa meta de financiamento da educação deve considerar as demandas educacionais de cada país, tanto em termos de acesso quanto em termos de qualidade. No caso do Brasil, como se sabe, a meta do Plano Nacional de Educação é de investimento de, no mínimo, o equivalente a 10% do PIB a ser alcançada até 2024.

Perspectivas

No tocante às perspectivas, a Declaração de Incheon demarcou algumas definições basilares, como as de aprendizagem. Ficou estabelecido que todos estudantes têm direito a obter conhecimentos, habilidades e valores que necessitam para viver com dignidade, alcançar seu potencial e contribuir com suas sociedades como cidadãos globais.

Como adendo, durante o Fórum Mundial de Educação, algumas preocupações emergiram. Diferente de ocasiões anteriores, a educação foi mais abordada como um insumo ao desenvolvimento do que como um direito humano. E entre os expositores, quase nenhum educador se expressou – o que além de ser grave equívoco, trouxe prejuízo à qualidade dos debates.

Nos próximos posts, durante as próximas semanas, falarei sobre diversos temas decorrentes da experiência obtida no Fórum Mundial de Educação, inclusive sobre o que pude observar do sistema de ensino da Coréia do Sul. Logo também irei traduzir a Declaração de Incheon para o português.


Os discursos e as polêmicas no Fórum Mundial de Educação
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Daniel Cara

Ontem (19/5) aconteceu a cerimônia de abertura do Fórum Mundial de Educação em Incheon, Coréia do Sul. Nos eventos internacionais, normalmente, essas ocasiões são momentos protocolares, dedicadas a transmitir apenas uma mensagem geral, evitando qualquer polêmica.

Por sorte, o que ocorreu foi um pouco diferente. Os oitos oradores apontaram mensagens e caminhos que pautarão o evento. Não é possível concordar com todos, mas as posições ficaram explicitadas.

A Diretora Geral da Unesco, Irina Bokova, refez o caminho das metas de educação, iniciado em Jontiem (Tailândia) em 1990, fortalecido no evento de Dacar (Senegal) em 2000 e em redefinição aqui em Incheon (2015). Ressaltou a presença de mais de 130 ministros neste Fórum e reforçou que a educação é um direito humano inalienável. Refletiu sobre o fato de que apenas um terço dos países cumpriram as metas de Dacar, que se encerram em dezembro de 2015. Para isso não acontecer novamente, Bokova afirmou que é preciso financiamento adequado da educação nos países, reforçado por cooperação internacional onde for necessário.

Irina reforçou ainda que para universalizar o acesso à educação primária nos países mais atrasados em termos educacionais são necessários USD 22 bilhões por ano de investimento global.

A presidente da Coréia do Sul, Park Geun-hye, fez um discurso elegante. Narrou a travessia sul-coreana de um país devastado pela guerra para uma sociedade desenvolvida. Um dos pilares das mudanças se deve ao esforço nacional realizado após a Guerra da Coréia, pautado em investimento educacional. Segundo ela, para os coreanos, “a educação é o cimento para o crescimento da pessoa e da nação”.

A presidente Park foi sucedida por seu conterrâneo, Ban Ki-moon. O secretário geral da ONU deu sequência à posição dela: “a Coréia do Sul é o único país que saltou de uma situação de pós-guerra e de extrema pobreza para um presente de desenvolvimento”. A chave foi o investimento em educação.

Ban Ki-moon reiterou que é preciso o investimento adequado em educação ao redor do mundo, inclusive como uma arma contra o terrorismo e o desrespeito aos direitos humanos: “a educação é um instrumento de segurança. Por isso, terroristas e extremistas atacam escolas”. Essa visão foi seguida por muitos outros oradores.

Adentrando no tema do conceito de educação, em suas palavras, reforçou que a educação supera as proficiências em matemática, língua e ciências. “É preciso uma educação dedicada também aos valores, à cultura, a formar cidadãos globais livres e comprometidos com os direitos humanos e a sustentabilidade”.

Diferente de seus compatriotas, o terceiro sul-coreano a falar foi o presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim. Foi uma fala infeliz. Além de apresentar a agenda de sua organização como o meio mais eficaz de universalizar uma educação dedicada ao fim da pobreza, afirmou que se os latino-americanos estudassem nos países asiáticos, hoje, a América Latina estaria em outra situação econômica e social. O discurso gerou reação negativa das delegações latino-americanas. Afora a indelicadeza, a educação, sendo um direito, deve ser um fim em si mesma, não apenas um insumo ao crescimento. Além disso, a relação entre educação e desenvolvimento econômico é bem mais complexa do que parece no discurso do Sr. Kim.

O diretor do Unicef, Anthony Lake, reforçou que nenhuma criança e adolescente pode estar fora da escola. Reiterou que o acesso à educação é um desafio monumental, mas que o direito depende também da qualidade: “as crianças precisam aprender e isso significa garantir os conhecimentos, as competências e os valores necessários para uma vida plena”.

Os demais oradores seguiram as posições de seus antecessores. Coube ao laureado com o Prêmio Nobel da Paz de 2014, Kailash Satyarthi, concluir os discursos. Ele reforçou que muito foi dito nos fóruns até aqui, muito esforço foi empreendido, mas ainda o mundo está distante de universalizar o direito humano à educação. Reiterou a demanda por financiamento educacional adequado e foi o orador mais aplaudido do evento.

Estabelecendo o cenário

Os discursos de abertura foram seguidos por um painel de debates, com seis expositores. As três falas mais importantes foram do Prêmio Nobel de Economia, James Heckman, do assessor das Nações Unidas, Jefrey Sachs, e da presidente da Campanha Global pela Educação, Camilla Croso.

Heckman foi taxativo: “não é possível, nem aceitável, fazer política educacional com base no PISA (sistema de avaliação internacional do desempenho de estudantes)”. Foi ovacionado.

Sachs, depois de um discurso forte em defesa do financiamento adequado da educação apresentou uma solução polêmica: “devemos buscar dinheiro com os empresários, os mega bilionários”. Porém, além disso não ser suficiente – a demanda é grande –, os recursos não chegam sem condicionantes injustos.

Camilla Croso foi a única a reiterar no painel que a educação não é apenas um direito de crianças e jovens, mas também de adultos e idosos. Além dela, apenas Irina Bokova teve esse preocupação no primeiro dia do evento, o que preocupa.

20/5: a plenária dos ministros

Na manhã de hoje (20/05) aqui na Coréia do Sul, dos mais de 130 ministros presentes, o ministro da educação do Brasil, Renato Janine Ribeiro foi um dos poucos a se pronunciarem. Reforçou o esforço brasileiro no combate à extrema pobreza e apresentou dados de avanço do Brasil no acesso à educação no país. Inclusive, reiterando a relevância das ações de busca ativa dos brasileiros e das brasileiras que estão fora da escola.

Polêmicas

Alguns países e organizações têm defendido a extração de trechos do documento que exigem que a educação seja gratuita. Há também polêmicas relativas à questão de gênero e das metas de financiamento da educação. A posição da sociedade civil e da maior parte dos governos é de não retroagir em relação às conquistas obtidas no evento prévio realizado em Mascate, em maio de 2014. Vale acompanhar as cenas dos próximos capítulos.


Começa o Fórum Mundial de Educação
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Daniel Cara

A educação deverá ter um objetivo global e sete metas a serem cumpridas pelos países até 2030.

Na tarde de hoje (18/5) em Incheon na Coréia do Sul – madrugada no Brasil – começa o Fórum Mundial de Educação. O evento, que termina na sexta-feira (22/5) analisará o cumprimento das seis metas de “Educação para Todos” (EPT), monitoradas pela Unesco. Além disso, definirá as metas para os próximos 15 anos.

As metas EPT foram definidas em Dacar, Senegal, no ano de 2000. Elas encerram sua vigência em dezembro deste ano. Mais de 180 países se comprometeram a cumpri-las, mas poucos tiveram sucesso. No caso do Brasil há duas avaliações sobre o cumprimento das metas EPT, uma produzida pela Unesco e outra realizada pelo governo brasileiro. Minha posição foi expressa em texto publicado neste espaço.

Participo do Fórum Mundial de Educação integrando a delegação oficial brasileira, liderada pelo Ministério da Educação e chefiada pelo ministro da pasta, Renato Janine Ribeiro. O Brasil é o único país latino-americano a ter um membro da sociedade civil em sua delegação oficial e um dos poucos do mundo. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, rede que coordeno no Brasil, participa em nível nacional, regional e global da construção e monitoramento do programa Educação Para Todos.

O novo objetivo global e as prováveis novas metas

O Fórum Mundial de Educação foi precedido de diversos eventos temáticos e de alinhamento para construção de acordos. O último, realizado em Mascate, em maio de 2014, concluiu que a educação determinaria um objetivo global, a integrar os novos objetivos globais para os próximos 15 anos, e sete metas.

O objetivo global definido naquele encontro foi:

Assegurar uma educação de qualidade, equitativa e inclusiva, assim como a aprendizagem ao longo da vida para todos até 2030.

Resumidamente, as sete metas sistematizadas em Mascate são:

Meta 1. Educação primária e ensino secundário que levem a resultados de aprendizagem relevantes e eficazes

Meta 2. Desenvolvimento da primeira infância, cuidados e educação pré-escolar levando a preparação e interface nas escolas  

Meta 3. Ensino técnico, vocacional, profissional e ensino superior

Meta 4. Habilidades para o trabalho e empreendedorismo

Meta 5. Igualdade de gênero, equidade e inclusão, com foco em grupos vulneráveis

Meta 6. Alfabetização funcional de jovens e adultos

Meta 7. Conhecimentos e habilidades que promovam o desenvolvimento sustentável

A princípio, o Fórum Mundial de Educação deve aprovar e aprofundar as resoluções de Mascate. No entanto, há países e grupos que buscam fazer ajustes ou alterar os textos.

Ao longo dos dias publicarei textos sobre o evento.


As greves dos professores e o direito de manifestação
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Daniel Cara

O Brasil pode encarar uma escalada de greves nas redes públicas de ensino. Não bastassem salários baixos, condições ruins de trabalho e carreiras pouco atrativas, os profissionais da educação enfrentam também os efeitos cotidianos da inflação alta e da baixa arrecadação em seus Estados e Municípios.

Diante de um cenário inóspito, a maior parte dos governantes lança mão da crise econômica como argumento definitivo para recusar (ou ignorar) as reivindicações trabalhistas. E fazem isso do pior jeito possível: sem tornar pública a situação das redes que administram, deixando a sociedade sem quaisquer condições de debater prioridades e possibilidades. Verdade seja dita, em que pese todas as conquistas democráticas das últimas décadas, a transparência ainda é uma quimera na coisa pública.

Para piorar o quadro, o bom governante é tratado por aqui como sinônimo de gerente, do tipo “fazedor de coisas”. E se hoje há dúvidas da eficácia do gerencialismo no setor privado, certamente ele não coopera na arena pública.

Supostamente pragmático, o “governante-gerente” brasileiro não negocia, manda. Não enfrenta o contraditório, quer suprimi-lo. Beto Richa (PSDB), governador do Estado do Paraná, passou as eleições de 2014 dizendo que seria um governador eficiente, racional. As cenas de 29 de abril demonstram o contrário. Gerentes acuados não hesitam em agredir, desrespeitando os direitos humanos e o direito de democrático de livre manifestação.

Agressões a professores, infelizmente, são mais comuns do que se imagina. No geral, o Brasil tem um extenso histórico de violência contra manifestantes e manifestações. É um traço vergonhoso da nossa cultura política, distante de ser superado… Dias atrás, professores de Goiânia também foram agredidos pela guarda civil daquele município, administrada por Paulo Garcia (PT-GO).

Nesse momento, além do Paraná, há greves em outros Estados, como Pará, Pernambuco, Santa Catarina e São Paulo – ainda que o governador paulista, Geraldo Alckmin (PSDB-SP), negue o fato.

Frente à tendência de escalada de greves, os governantes devem negar o gerencialismo – ele de nada adianta. O melhor caminho é estabelecer canais concretos de interlocução e negociação com a categoria dos profissionais da educação. E se as greves ou paralisações ocorrerem, em observância do direito constitucional de greve, é preciso ter clareza de alguns princípios básicos: em um regime democrático, cabe às autoridades públicas a defesa da liberdade de manifestação e a própria segurança dos manifestantes. É algo tão básico quanto está distante da nossa realidade!


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